“Houdini”: O que Eminem e Slim Shady estão aprontando?

Novo single do rapper traz mais dúvidas do que certezas sobre como será o próximo álbum de estúdio

Leonardo Sá
9 min readJun 19, 2024
Foto: Jeremy Deputat

Geralmente escrevo após pensar muito bem sobre as teses que interpreto das músicas do Eminem. No entanto, desta vez o que me faz escrever aqui é justamente o contrário: embora tenha pensado boas pistas e indícios, o single do novo álbum traz mais dúvidas do que certezas.

Ou: Eminem e Slim Shady em um episódio que poderia se chamar de “Eu vim para confundir e não para explicar”, como imortalizou Abelardo Barbosa, o Chacrinha (1917–1988).

No início, parecia tudo mais ou menos solucionado. Diferentemente dos últimos lançamentos surpresa, Eminem voltou a apostar em divulgações e um mínimo trabalho de marketing e engajamento, o que não acontecia desde o desastre do “Revival”. Desde então, somente lançamentos surpresa (ou nem tanto), com o “Kamikaze” e os dois “Music To Be Murdered By”.

Uma propaganda com tons de mistério, estilo Linha Direta. Slim Shady estava morto e agora era preciso saber como isso aconteceu. Suspeitos e inimigos não faltam. Bom, então é isso: o cara mais durão do mundo vira a nova Odete Roitman, onde todos estão desesperados querendo saber quem o matou.

Ele está morto na propaganda. O corpo está lá, a prova está lá. Um jornal de Detroit faz um obituário, que se espalha pelos Estados Unidos e Europa. Os fãs “nunca vão esquecê-lo”, segundo o texto. “Will Never Forget” estava escrito assim, em maiúsculo, o que ainda é um indício de que seria um dos singles do álbum, talvez o primeiro.

Obituário de Slim Shady publicado no Detroit Free Press. Foto: Reprodução/Internet

No fim de maio, Eminem lança um teaser. Uma mensagem no Telegram escrita “… e para o meu último truque!”, além de uma chamada de vídeo com o mágico David Blaine. No fim do vídeo, Eminem diz que vai fazer sua carreira desaparecer. Esse seria o truque. Depois, é revelado o primeiro single do projeto: Houdini.

É como se Eminem tivesse escrito uma versão adaptada do “Espetáculo”, de Álvaro Alves de Faria:

“O salto mortal

é meu número especial

nesta tarde de domingo.

Não temo o trapézio

por não saber voar

sobre as cabeças

que torcem para a corda arrebentar.

Quando muito,

abro a tarde

falando ao respeitável público

que farei a mágica final

de desaparecer

sem nunca ter sido

visto por ninguém.”

Nas redes sociais, trechos do clipe de “Role Model”, onde Eminem acaba realizando um truque de mágica que não dá certo. Uma imitação do último truque de Houdini, que não deu certo e morreu justamente em Detroit aos 52 anos. Marshall Mathers terá essa idade a partir do dia 17 de outubro, quando completa aniversário.

Harry Houdini. Mágico, escapologista e ilusionista. A causa da morte ainda é incerta até hoje, mas dizem que o húngaro começou a ficar mal após levar vários golpes no abdômen. Um dos números dele era a “incrível resistência abdominal”. No entanto, quando recebeu os socos de um fã no camarim, enquanto repousava, Houdini não estava devidamente preparado. O apêndice teria se rompido ali ou nos dias subsequentes, mas o mágico se recusou a tratar as dores que sentia, continuando a viajar para fazer os espetáculos.

Com suspeita de apendicite e muita febre desde o incidente no camarim, Houdini fez sua última apresentação pública em Detroit no dia 24 de outubro de 1926, na apresentação do “Chinese Water Torture”. Nesse número, Houdini era suspenso de cabeça para baixo, preso num gabinete de vidro preenchido com água, onde permanecia sem respirar por três minutos antes de conseguir escapar. Entretanto, dessa vez ele não conseguiu e foi encontrado pela assistente inconsciente na água. O mágico morreu uma semana depois em um hospital, no dia 31, vítima de peritonite secundária.

Houdini é uma figura muito conhecida e popular até hoje. Referência de livros, filmes, séries, minisséries e músicas é o que não falta. Antes de Eminem, Dua Lipa e Foster The People já haviam feito uma canção com o nome do mágico húngaro nascido em Budapeste, batizado Ehrich Weisz.

Bom, a lógica é que o primeiro clipe do novo projeto de Eminem começasse a explicar a morte de Slim Shady. É como se fosse uma série em retrospectiva. Os últimos detalhes do alter-ego de Eminem e Marshall Mathers. Como começou a jornada final de Slim Shady? Seria algo no estilo “Linha Direta”, “Famous Crime Scenes”, aqueles programas do Discovery ou “American Crime Story”?

O clipe, que pra mim começaria a ser uma explicação de como tudo terminou, deixou mais dúvidas do que certezas.

Bom, para começar: Eminem/Marshall já tentou matar Slim Shady várias vezes, sem sucesso. Foi Slim quem assumiu o controle para Eminem virar um rapper de sucesso e poder dar conforto para a filha Hailie. Tudo teve um preço, conforme dito pelo próprio Slim em “My Darling”, onde fica mais do que evidente que é impossível matar quem está dentro do próprio corpo. Sem Slim, não há Marshall ou tampouco Eminem.

Ronald Rios disse na live que o álbum seria a última aparição de Slim Shady. A chance dele, em pleno 2024 e no século XXI, ¼ de século depois de surgir, passar a última mensagem nos próprios termos e confirmar como não há mais espaço para pessoas como ele no mundo.

É como se o álbum fosse uma construção para mostrar os motivos que levaram Slim Shady a morte, muito provavelmente pelo teor das letras, lembrando os álbuns mais polêmicos de Eminem lá no início da carreira. A consequência seria o agora inevitável fim do alter-ego problemático. Eminem, na propaganda, disse que “era questão de tempo”. O próprio artista tem noção de que os dois, a essa altura, não podem mais andar juntos. O que era uma simbiose virou duas figuras quase antagônicas, fruto dos traumas e do amadurecimento do homem e do artista.

Sendo assim, o álbum supostamente pode ter essa pegada de reconstituição, últimos acontecimentos, antecedentes e construção até chegar no clímax já anunciado há tempos: o golpe de misericórdia. Quem daria esse golpe, aliás? Marshall e Eminem, que querem uma vida madura e tranquila? A sociedade? Algum stan? Alguém que está há 25 anos ofendido com suas atitudes? Ele não é só um cara loiro de regata branca que bebe vodka, pelo jeito.

As coisas ficam confusas quando o single tem uma pegada divertida, repetindo a velha fórmula de sucesso dos álbuns do Eminem. O primeiro single é sempre assim. “My Name Is”, “The Real Slim Shady”, “Without Me”, “Just Lose It”, “We Made You” e o último foi “Berzerk”. Shady está de volta em um tom muito peculiar.

O ritmo e o clipe são repletos de referências da carreira de Eminem, sobretudo o hit “Without Me”. A maior surpresa já aparece logo no início. Slim Shady, no estilo “multiverso”, consegue chegar no ano de 2024 saído de 2002, onde está no auge. Como ele vai viver nesse novo mundo de selfies, Google Glass e redes sociais? Dr. Dre, o eterno “Robin”, avisa o Rapboy do perigo que isso representa.

O clipe tem participações especiais de velhos conhecidos de gravadora do Eminem, entre eles Snoop Dogg, GRIP, Westside Boogie, EZ Mil e Royce Da 5’9’’, além do humorista Pete Davidson, entre outros. O clipe parece ser uma continuação de “Without Me” com pitadas de “The Real Slim Shady”, “We Made You” e “Just Lose It”.

Ronald Rios, na live dele, tocou num ponto bem interessante. Tanto o clipe quanto a letra mostram uma mensagem diferente do que as pessoas querem entender. Quando Eminem tenta voltar para 2002 no clipe e no estilo da música, é para justamente provar que isso não funciona mais hoje em dia, seja na lírica ou em alguns temas.

Com mais de 50 anos, Eminem não pode mais falar sobre determinados assuntos. Ele é um cara mais maduro, de bem com a mãe, a ex-esposa e com ume filhe não-binárie. É justamente o contrário dos últimos anos, onde o “Shady de 30 anos vai voltar no corpo de um rapper de quase 50, sóbrio e traumatizado com a morte do melhor amigo”.

Na letra, Eminem reconhece que não pode mais tolerar certas coisas que Slim fala. No meio da música, ele afirma que provavelmente Shady acharia tudo “gay”, mas já se defende ao querer explicar que está falando no sentido de “felicidade”, não algo maldoso e homofóbico. Slim Shady, em um mundo cada vez menos intolerante a certas posturas, está reagindo a tudo o que ele está testemunhando ao chegar nos tempos atuais.

Então, é um “Como Slim Shady reagiria ao mundo em 2024?” Assim, Eminem constrói esse exercício de liberdade de expressão, adivinhação e ao mesmo tempo equilíbrio ao mostrar para o público que sabe que os tempos de loiro revoltado já passaram.

O clipe se encaminha para a grande batalha do século: Eminem x Slim Shady. Shady sempre prevaleceu e conquistou a alma de Marshall nos momentos mais difíceis, seja de grana ou suporte emocional. Será que agora, finalmente, Eminem poderia se ver livre de seu alter-ego amigo/monstro?

Lá em “I’m Shady”, Slim era o amigo descolado que arranjava bebidas, drogas e ácidos. Em “The Monster”e em “My Darling”, Slim, Eminem e Marshall são uma coisa só. Shady é o monstro que vive embaixo da cama enjaulado em “The Monster”. Como vai ser o fim dele? Não há mais espaços para os dois ou os três, aparentemente.

Assim como em “My Darling”, o clipe mostra como e quando Eminem e Slim Shady se juntam novamente, de forma inesperada. Eles criaram um monstro versão 2024, outra referência a “Without Me”. O vídeo facilita na ideia de que tudo é uma coisa só ao misturar o visual de 2000 e 2024. Eminem agora está loiro e de barba!

A combinação inesperada. Como uma simbiose, a última estrofe é basicamente Eminem/Slim xingando todo mundo e aí vem a questão interessante, central e fundamental do texto: e se tudo isso não passar de um truque?

Antes do clipe, parecia tudo muito bem mastigado: Slim Shady daria as caras pela última vez até o inevitável assassinato. Agora, a partir do momento em que mais uma vez fica óbvio que Eminem e Shady são uma coisa, tudo vira dúvida. O truque era essa junção visual? A pegada Slim Shady vai prevalecer por todo o álbum? Provavelmente sim, afinal é o conceito do CD.

Quando Eminem afirma na pequena propaganda que “vou fazer a minha própria carreira desaparecer”, será que ali ele tinha entendido que Em e Shady são indissociáveis? Se o título do projeto é esse, então estamos testemunhando os últimos momentos da vida de Slim Shady e como ele foi morto, certo?

Ou o título é o truque? Slim Shady nunca vai morrer porque ele é Eminem e Marshall Mathers. Sem Shady, não há ninguém. Na letra, está mencionado: nós não vimos nada, ele nunca falou isso. Tudo é mágica, truque, ilusão. Fomos tapeados? Shady está vivo e Eminem não vai se aposentar, contrariando os “indícios”?

E se os indícios foram plantados para justamente Slim Shady surgir para desmentir tudo e mostrar que, mesmo 22 anos depois, o mundo fica vazio demais sem ele? Que cachorro velho não aprende truque novo, mas Shady vai mostrar o último truque antes de sair de cena, como um golpe de misericórdia?

Ao invés de ficar desacordado na água, ele simplesmente sumiria e retornaria quando e como quisesse, como sempre foi.

Como um passe de mágica, Eminem pode voltar num piscar de olhos (ou num truque, mesmo). Os números do single até aqui provam como o clipe e a batida chiclete, que remete aos “velhos tempos”, deu resultado: recordes quebrados nas primeiras semanas nos streamings, #2 na estreia na Billboard Hot 100 e o 2° rap mais bem sucedido do ano (em números) nesses primeiros dias disponível, perdendo apenas para “Not Like Us” de Kendrick Lamar. Aftermath!

Até o fechamento desse texto, Eminem é o 6° artista mais ouvido no Spotify na atualidade. Estamos falando de um cara de quase 52 anos que começou nos anos 1990, teve o auge há mais de 20 anos e compete com duas gerações de artistas mais modernos e conectados com o mundo de hoje.

A “morte” foi o último truque de Shady? O que é verdade? O que é mentira? Só saindo o álbum logo para descobrirmos se existe alguma situação concreta ou o mundo foi novamente vítima das ilusões e travessuras de Shady e Eminem.

É inegável que o desejo pelo tal do projeto está muito alto. Mistérios e boatos precisam ser resolvidos logo!

E, como confessei no lide, não faço a mínima ideia do que esperar e escrevi esse texto de primeira, sem pensar muito além do que refleti nos dias seguintes ao lançamento do single.

Tenho minhas interpretações? É lógico. Por outro lado, encerro esse texto reiterando o que está lá no início: não faço a mínima ideia do que Shady e Eminem estão aprontando. Precisamos ficar atentos. A expectativa e o hype são grandes agora. Muito cuidado e muita calma nessa hora.

Até!

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Leonardo Sá

Doente por F1, futebol, rap, jornalismo e café; não necessariamente nessa ordem.