O amparo do magnata

A trajetória de Bernie Ecclestone, demitido da F1, onde revolucionou os negócios da categoria na qual liderou tudo por mais de três décadas, além da sua ligação com o Brasil

Leonardo Sá
6 min readJan 24, 2017
Foto: Mark Thompson/Getty Images

Fortuna estimada em quase 5 bilhões de dólares. Um dos maiores investidores do mundo e um dos patrões desportivos mais bem pagos. De vendedor de carros usados na famosa rua Warren de Londres a dono absoluto e revolucionário nos negócios de gestão da Fórmula 1 há mais de 30 anos, esse senhor de 86 anos tem muitas histórias e polêmicas para contar.

Um desses causos é saber como e por que um homem tão rico e poderoso é visto com frequência em uma cidade de quase 70 mil habitantes localizada no interior de São Paulo e distante 132 quilômetros da capital paulista. Isso, apenas no final.

Bernie e sua curta carreira na F1: apenas duas corridas. Foto: Pinterest

Antes de mais nada, é necessário saber quem é essa figura. Trata-se de Bernard Charles Ecclestone, ou simplesmente Bernie Ecclestone. Nasceu em St Peter South Elmham no dia 28 de outubro de 1930, numa aldeia distante três milhas ao sul de Bungay em Suffolk, no leste da Inglaterra. Nos anos 1950, ingressou na carreira automobilística, que não durou muito. Foram apenas duas corridas na Fórmula 1, em 1958. Depois de um grave acidente, percebeu que seu ramo era outro: os negócios.

Começou a fazer investimentos lucrativos no mercado imobiliário e no financiamento de empréstimos, gerindo sua concessionária de carros usados nos finais de semana. Ao mesmo tempo, começou a agenciar pilotos. Um de seus clientes, Lewis-Evans, faleceu após o motor de seu carro explodir na corrida do Marrocos de 1958, vítima de queimaduras graves. Abalado, retirou-se do esporte a motor pela segunda vez. Na década seguinte, tornou-se empresário do austríaco Jochen Rindt (único campeão póstumo da F1, em 1970) e co-proprietário da equipe dois da Lotus. Em 1972, passou a ser dono da Brabham numa aquisição que custou 100 mil libras. A escuderia cresceu e foi nela que o brasileiro Nelson Piquet foi campeão do mundo em 1981 e 1983. Nos anos 1980, Bernie já era dirigente da FOCA (Associação dos Construtores da Fórmula 1) e em 1987 vendeu a Brabham por 5 milhões de libras.

Bernie fundou, em 1972, a Associação dos Construtores da Fórmula 1, ao lado de Frank Williams, Colin Chapman (fundador da Lotus), Teddy Mayer (dono da McLaren), Ken Tyrrell e Max Mosley (fundador da March, que depois seria presidente da FIA (Federação Internacional de Automobilismo). Uma das primeiras medidas adotadas pela Associação foi a questão da transmissão televisiva das provas da categoria.

Bernie (D) jogando cartas para decidir se colocaria adesivos da Texaco no carro da Brabham. Ele perdeu o jogo, os adesivos foram postos e Carlos Reutemann venceu a primeira corrida da equipe sob a sua administração, no GP da África do Sul de 1974. Foto: Sutton Images

Em um “golpe de mestre”, conseguiu fazer com que a FOCA (que hoje virou FOM, presidido por Ecclestone — a Formula One Management) tivesse o direito de negociar os direitos de transmissão das corridas com autorização da FIA, criando a FOPA (Fórmula 1 Participações e Administração) que dividiu a receita em 47% para as equipes, 30% para a FIA e 23% para o próprio Bernie. As equipes se revoltaram e nos anos 1990 foi assinado o Pacto de Concórdia, que negocia os direitos de transmissão e a taxa de inscrição anual das equipes para a disputa do Campeonato Mundial de Fórmula 1. É assim que Bernie ganha dinheiro: Uma porcentagem da venda dos direitos aqui, uma porcentagem das ações das empresas que gerenciam a F1 (como a FOM) e outros negócios pessoais acolá, e o seu patrimônio foi aumentando.

Bernie e Piquet: juntos, foram campeões na Brabham, em 1981 e 1983. Foto: Lemyr Martins/Veja

Segundo lista da Forbes de 2011, Bernie é a quarta pessoa mais rica do Reino Unido, com fortuna estimada em US$ 4,2 bilhões. Foi casado por quase 25 anos com a modelo croata Slavica Radic. Se na F1 Bernie é o “chefão”, não podemos dizer o mesmo em sua vida conjugal. Segundo o que está escrito em uma de suas biografias, intitulada Não sou um Anjo (Editora Novo Conceito, 2011), de Tom Bower, ele constantemente apanhava de sua ex, sempre desconfiada de uma possível infidelidade do marido. Slavica era vista constantemente no paddock e costumava beber muito, às vezes ficando agressiva, humilhando Bernie fisicamente (que chegava a se esconder em outros quartos da casa onde moravam) e psicologicamente (chegou a chamá-lo de anão em público — ele bate no ombro da modelo). Ela constantemente ameaçava ir embora, até que o fez. Pediu o divórcio em 2009. Dizem que Ecclestone pagou cerca de R$ 1,5 bilhão no acordo.

Bernie e a ex-esposa, Slavica. Foto: Getty Images

No mesmo ano, uma brasileira entrou na vida do magnata. Durante visita para o Grande Prêmio do Brasil, em novembro de 2011, Bernie conheceu Fabiana Flosi, advogada de 38 anos, que na época trabalhava na organização do evento. Paixão à primeira vista. Casaram-se em 2012. Os laços com o Brasil já não eram somente profissionais.

O empresário estava procurando uma casa de campo no Brasil. Só conhecia as cidades grandes e as de praia, apesar de visitar o país há 45 anos. Foi aí que entrou o município de Amparo. Nem sua esposa brasileira conhecia esse lugar. Fundada em 1829, é famosa por suas lavouras de café, principalmente a partir do ciclo do ouro do café iniciado em 1850. Uma dessas fazendas famosas é a centenária Ycatu (desde 1879), que Bernie conheceu ao acaso, através da indicação de um amigo que queria vender a propriedade. Comprou-a e deparou-se com mais de 120 mil pés de café.

Bernie e a esposa, Fabiana Flosi. Foto: Motorsport

O refúgio de Bernie Ecclestone no Brasil tornou-se público em maio de 2015, quando o chefão anunciou uma entrevista coletiva surpresa na cidade. Para quem acompanha automobilismo, não fazia sentido nenhum o que estava acontecendo. Chegava a ser surreal. “Todos que moram aqui são pessoas de sorte”, afirmou Bernie. A coletiva anunciava a nova empreitada de Ecclestone no ramo dos negócios: Ele deseja comercializar a sua marca de café gourmet da fazenda, a Celebrity Coffee of Amparo. Por enquanto, ela é servida somente no paddock da Fórmula 1.

O novo negócio do ex-chefão da F1. Foto: Rodrigo Berton/Grande Prêmio

Atual prefeito da cidade, Luiz Vitale Jacob (PSDB) conta que foi procurado por Fabiana após a aquisição da fazenda. Ela perguntou sobre a infraestrutura da cidade em relação a hospitais, restaurantes e o setor de serviços. Desde então, mantém contato frequente com o empresário, que chegou a visitar a prefeitura em sua última aparição na cidade. Constantemente é visto pelos moradores em restaurantes e no centro histórico. Sua presença ainda choca e surpreende os amparenses. Segundo o prefeito, “é a oportunidade perfeita de lançar a cidade de Amparo para o resto do mundo”.

Esse é um pouquinho de Bernie Ecclestone. Repleto de histórias e polêmicas para serem desvendadas. Para muitos, um “exímio empresário, empreendedor e negociante”. Para outros, um “picareta que deveria estar na cadeia”. Todavia, é inegável o seu carisma, mesmo caduco e considerado por muitos um “vilão” acerca das críticas dos fãs de Fórmula 1 a falta de emoção, competitividade e alternância entre os carros nas corridas. A F1 e Bernie chegam a se confundir sendo uma entidade só. Com certeza será um dia histórico quando ele deixar o poder, por conta própria ou por questões de saúde. O que sabemos, entretanto, é que ele vai estar ocasionalmente relaxando e produzindo café na Fazenda Ycatu, com sua esposa e a paz de espírito de um homem que nasceu pobre e hoje é um dos maiores empresários do mundo, deixando um futuro próspero para muitas gerações de sua família — Com polêmica, irregularidades e problemas na justiça.

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Leonardo Sá

Doente por F1, futebol, rap, jornalismo e café; não necessariamente nessa ordem.