The Marshall Mathers LP, 20 anos depois: quando Eminem atinge o topo

Segundo álbum de estúdio do rapper quebrou recordes de vendas e tornou-se um grande sucesso popular e de crítica; com letras mais polêmicas ainda, o CD mostra a raiva e a genialidade de um artista intimidado pela ascensão meteórica a fama e a transformação em um pop star

Leonardo Sá
160 min readMay 23, 2020
Foto: Rolling Stone

Há duas décadas, Eminem lançava seu segundo álbum de estúdio e, para muitos, o melhor trabalho da carreira: o “The Marshall Mathers LP”, como o nome diz, é uma continuação do “The Slim Shady LP”. Como o nome também pode denunciar, dessa vez é uma abordagem mais introspectiva do homem Marshall, que instantaneamente havia se tornado uma celebridade e símbolo da música pop, nascido pela indústria para destruir a indústria.

Como não poderia deixar de ser, o CD abordou um período peculiar da vida do rapper: a ascensão a fama e todos os benefícios e problemas que isso traz: dinheiro, interesseiros, luxo e também a superexposição de alguém que as pessoas queriam conhecer a cada dia mais, como se fossem íntimas por partilhar das mesmas angústias e desabafos que o rapper. Como resultado disso tudo, Eminem tornou-se mais extremo: amado e odiado na mesma proporção, transformando-se no rosto do mundo da música do início do século. Mas então, como que o Slim Shady chegou até esse projeto?

ANTECEDENTES

O sucesso do “The Slim Shady LP”, de um ano antes, alçou Eminem de um rapper branco underground a súbita celebridade. Claro que o fato de “My Name Is” se tornar um grande sucesso na MTV e por também adotar um visual loiro oxigenado como se fosse algum cantor pop lhe deu maior penetração no mainstream, mais do que os outros rappers negros e em sua maior parte marginalizados em virtude das letras do gangsta rap que já começavam a entrar em decadência.

O sucesso e as diversas facetas líricas deram a Eminem muitos fãs, principalmente quando escrevia tudo o que vinha pela cabeça sem estar pouco se fodendo, assim como também era extremamente honesto e até auto-depreciativo ao relatar, com raiva, tristeza e angústia, os anseios de não conseguir decolar na carreira e dar um futuro próspero para a jovem filha Hailie. Como não poderia deixar de ser, as letras violentas e preconceituosas também foram alvo de muitas críticas. Violência doméstica, misoginia e homofobia eram alguns dos pontos batidos em canções como “My Name Is” e “97 Bonnie & Clyde”. A violência e os acontecimentos narrados em tom cartunesco não foram o suficiente para livrá-lo do julgamento moral dos gatekeepers da mídia, ainda engatilhando na internet.

Mesmo matando-a na “97 Bonnie & Clyde”, Eminem e Kim casaram-se três meses depois do lançamento do CD, em maio de 1999. A fama repentina incomodava e deixava Eminem desconfortável. Isso seria um dos pontos abordados no álbum seguinte:

“Eu não confio em ninguém agora porque todo mundo que eu vejo me vê como Eminem… eu não sei se eles estão comigo porque gostam de mim ou porque eu sou uma celebridade ou porque eles pensam que podem conseguir algo de mim.”

O rapper também passou a ser alvo dos críticos. Desde o lançamento do “The Slim Shady LP”, Em foi rotulado como “misógino, niilista e defensor da violência doméstica” e, em editorial, o editor chefe da Billboard, Timothy White, acusou Eminem de “ganhar dinheiro explorando a miséria do mundo”.

Com tanta coisa mudando e acontecendo ao mesmo tempo, material é o que não faltava para Eminem abordar nas letras de seu novo projeto.

Em durante turnê na Europa: CD quase se chamou ‘Amsterdam’ em virtude da viagem do rapper para a Holanda. Foto: Getty Images

PRODUÇÃO

O álbum foi produzido em uma “farra criativa” de dois meses de duração, com sessões de 20 horas diárias. O plano era não fazer muito alarde comercial e midiático afim de manter o foco no trabalho, nas composições e nas batidas. Eminem se descreveu como um “rato de estúdio” e que se beneficiou desse ambiente isolado. Dr. Dre disse que ele e Em não trocavam muitas ideias de composições pelo telefone. Eles simplesmente esperavam se reunir no estúdio para “fazer a mágica acontecer”.

Em fevereiro de 2000, as 16 músicas do CD estavam prontas. A expectativa da Interscope era tanta que foi feito um levantamento onde Eminem poderia ser o primeiro artista masculino a vender um milhão de cópias na semana de lançamento do álbum. Com isso, o rapper contava que se sentia sobrecarregado e pressionado:

“Eu estava morrendo de medo. Queria ter sucesso, mas antes de qualquer coisa, quero respeito”.

No entanto, após o álbum ser finalizado e ouvido pelos diretores, eles chegaram a conclusão de que nenhuma música ali teria potencial para ser um single de sucesso e, portanto, a vendagem que eles haviam planejado poderia não acontecer. Como resposta a essa pressão, Eminem acabou escrevendo ‘The Way I Am’, como se fosse um aviso: “isso é o melhor que posso fazer. Não posso fazer outro ‘My Name Is’. Eu não sento e faço mágica.”

Depois que esse som foi colocado no álbum, Eminem teve inspiração e começou a escrever outra música. Ele pediu para Dre fazer outro beat e ganchos… até que foi criada ‘The Real Slim Shady’. Essas duas músicas são primordiais para o projeto e mais tarde voltaremos a elas.

Ao virar uma celebridade instantânea, Eminem também teve muito hate, negativismo e críticas por suas letras. Após ficar um bom tempo na defensiva tentando se explicar de o porquê escrever assim, ele simplesmente cansou, como escreveu no livro ‘The Way I Am’:

“Cansei de tentar me explicar, então com o ‘The Marshall Mathers LP’ e fui para a zona dos ‘viados’, de propósito. Tipo, foda-se. Ainda naquela época eu não acreditava que era real. Era difícil entender que estava famoso o suficiente para as pessoas prestarem atenção e levarem o que eu falo a sério.”

Eminem, após o sucesso do ‘The Slim Shady LP’, passou a fazer turnês pela América do Norte e Europa. Também nessa época, ele começou a usar drogas. Boa parte das composições foram feitas durante essa turnê europeia, bem como o uso de drogas também influenciou na temática de várias dessas composições.

Quando foi para Amsterdam fazer um show, ele ficou tão maravilhado que quase chegou a mudar o nome do CD, conforme escreveu no ‘The Way I Am’:

“A primeira vez que foi a Amsterdam foi para promover o ‘The Slim Shady LP’. Éramos jovens. Devia ter uns 27 anos. Ir lá pela primeira vez foi uma loucura. Parecia que todos usavam drogas — em todos os lugares. Eu não me conformava em como as pessoas se sentiam tão livres para isso. Até pensei em nomear o segundo álbum de ‘Amsterdam’ só por causa daquela viagem.”

Mudanças na vida pessoal e profissional, superexposição, período isolado, drogas, turnês e conflitos com a gravadora. Eminem ganhou a gasolina que precisava para o fogo e a chama dele, Marshall e Slim Shady explodirem em um novo lançamento para o mundo.

O ÁLBUM

O ‘The Marshall Mathers LP’ foi lançado nos Estados Unidos no dia 23 de maio de 2000. No Reino Unido, por sua vez, foi somente no dia 11 de setembro de 2000. O projeto teve duas capas diferentes. Na versão original, Eminem está sentado na varanda da casa que ele viveu na adolescência em Dresden, número 19946.

“Eu tinha sentimentos confusos porque tinha muitas boas e más lembranças naquela casa. Mas voltar para onde eu cresci e finalmente dizer ‘eu consegui’ é a maior sensação do mundo para mim.”

Capa original do MMLP. Foto: Reprodução/Interscope/Aftermath/Shady Records

A versão proibida mostrava o rapper sentado em posição fetal sob uma doca de carregamento com álcool e frascos de remédios nos pés. Ela foi proibida justamente por isso, diante da reclamação das pessoas com a aparição explícita de drogas e álcool na capa.

A versão “proibida” da capa do MMLP. Foto: Reprodução Interscope/Aftermath/Shady Records

Se o nome do CD indica uma evolução ou uma continuidade que dessa vez explora a personalidade Marshall Mathers de Eminem, a capa não poderia deixar de ser diferente. Se no ‘The Slim Shady LP’ vimos a personalidade Slim vindo a tona, “matando” a esposa e deixando o corpo no porta-malas enquanto passeia com a filha num pier, isso dá a vazão da personalidade inflamada, polêmica e cartunesca do alter-ego de Eminem presente na maioria das composições daquele projeto.

Por sua vez, o projeto seguinte, a continuação, mostra na capa a persona Marshall Mathers, que será o centro do projeto e das letras. Aquela casa, um ambiente que até pouco tempo era familiar, é cenário de muitas transformações líricas e análises durante o crescimento de Marshall Mathers, o alter-ego Slim Shady e a celebridade Eminem, onde tudo se mistura.

Will Hermes, da Entertainment Weekly, escreveu algo mais ou menos assim, mostrando que a capa seria um indicativo da evolução musical de Eminem:

“É fácil de entender, certo? A estreia: a violência fantasiosa, a ação de uma persona. A sequência: o artista vulnerável desmascarado.”

Comparação das capas: assim como no nome, as personas retratadas são completamente diferentes. Foto: Montagem

Desmascarado ou não, Eminem sempre estaria na ofensiva, e muitas vezes para se defender e/ou ocultar dramas e traumas do passado. Como uma linha do tempo das personalidades que se adaptam as transformações pessoais e do mundo, Eminem/Slim/Marshall estavam prontos para falar sobre o contexto deles e do mundo, sobretudo os Estados Unidos, é claro.

AS MÚSICAS

A exemplo do ‘The Slim Shady LP’, o ‘The Marshall Mathers LP’ também começa um anúncio de serviço público. A diferença é que este é muito mais direto, tirando sarro das tentativas de censura e preparando o ouvinte para os próximos 72 minutos de acrobacias líricas muito ofensivas.

Um anúncio de serviço público são anúncios ao público sobre um tópico de determinado interesse. Nesse caso, ele alerta aos ouvintes sobre o conteúdo do restante do álbum, que vai ter muito conteúdo agressivo, preconceituoso, violento, incorreto, entre outros.

Jeff Bass é o narrador, com Eminem (ou Slim) no fundo sussurrando mais algumas coisas que Jeff deve dizer para o ouvinte.

Na versão “limpa” do CD, este skit não está disponível, sendo substituído por alguns segundos de silêncio.

O álbum começa mais ou menos assim:

“Este é outro serviço de anúncio público trazido para você por Slim Shady (diga a eles que eu estou pouco me fodendo). Slim Shady está pouco se fodendo para o que você pensa (diga para eles chuparem). Se você não gostar, você pode chupar o pau dele (diga para eles beijarem a minha bunda). Como você sabe, ao comprar esse álbum, você já beijou a bunda dele (diga para eles que eu estou cansado). Slim Shady está de saco cheio da sua merda e ele vai te matar. Mais alguma coisa? (Sim, me processe).”

A skit contém várias referências ao álbum anterior, como Just Don’t Give a Fuck e Still Don’t Give a Fuck, assim como a frase “i’m fed up” vem do jingle-desabafo “If I Had”.

Ao dizer que Slim Shady vai te matar, isso é o prenúncio da faixa seguinte, a “Kill You”. Em/Slim já começam o álbum no 220v.

“Kill You” discute a polêmica e a controvérsia que cercaram Eminem desde o lançamento de seu álbum de estreia e suas consequências, pesadelos de mulheres histéricas e o fato de ter sido criado por uma mãe solteira. Ele também fala sobre estuprar a própria mãe e como isso sairia nas capas de revistas de música, celebridades e fofocas. É um discurso lírico contra a mãe, a então esposa Kim, rappers e mulheres em geral.

No livro “Angry Blonde”, Em escreveu sobre o som:

“Eu queria começar o álbum com essa música porque todo mundo na imprensa estava tipo ‘sobre o quê ele vai rimar agora? Ele não é mais miserável…’ A ideia do som era dizer algumas das merdas mais fodidas, apenas para as pessoas saberem que eu estou de volta. Que eu não perdi isso, que eu não estava comprometendo ninguém e não tinha mudado. Se mudei alguma coisa… foi para pior.”

A música começa com uma introdução:

“Quando eu era apenas um garotinho, minha mãe costumava me dizer essas coisas malucas… Ela dizia que meu pai era um homem mau, que ele me odiava. Quando fiquei mais velho, percebi que ela era louca, mas não tinha nada que eu pudesse fazer ou falar para tentar mudá-la porque esse é o jeito dela”.

Todos sabem que Em nunca conheceu o pai porque ele o abandonou quando era apenas um bebê. Analisando essa linha sob a perspectiva de Marshall/Em/Slim, a mãe dele estaria tentando mascarar a própria loucura e desviar a culpa de sua criação, inventando histórias sobre o pai que ele odeia. Isso é conhecido como alienação parental, especialmente em lares desfeitos e famílias monoparentais, onde a criança é “manipulada” para odiar um e amar, proteger e entender o outro.

Eminem começa a primeira estrofe de forma fulminante:

They said I can’t rap about being broke no more

They ain’t say I can’t rap about coke no more

(Eles dizem que não posso mais rimar sobre estar duro

Eles não vão dizer que não posso mais rimar sobre cocaína)

Como Em passou a ser uma celebridade e ganhou um bom dinheiro depois do álbum de estreia, os críticos ficaram céticos sobre o quê Em rimaria nos próximos projetos, pois a ira, a tristeza e os anseios de um rapper pobre e desesperado para sustentar a filha poderiam ter ido para atrás após o sucesso do ‘The Slim Shady LP’. No entanto, não é bem assim que a banda toca, como o Em próprio escreveu em ‘Angry Blonde’:

“’Ele não pode mais rimar sobre estar pobre e miserável, ele não pode mais rimar sobre a dor que sente porque ele ganhou dinheiro’. É por isso que comecei o som com essas frases. Isso daria para vocês uma ideia sobre o que é o álbum. A música é ridícula”

Na sequência, uma frase forte que basicamente resume boa parte do conteúdo do álbum: violência, misoginia e feminicídio:

“Vagabunda, você acha que eu não vou mais sufocar nenhuma vadia até as cordas vocais não funcionarem na garganta dela?”

Frases como essa é que, meses depois, foram usadas como justificativa para que Eminem fosse proibido de se apresentar no Canadá, conforme decisão de Jim Flaherty, então procurador-geral de Ontario:

“Pessoalmente, não quero que ninguém venha para o Canadá para defender a violência contra as mulheres… Eu li as letras, as palavras não eram sutis. Elas eram violentas, defendiam a violência, louvavam a violência contra as mulheres, agressões físicas, agressões a mulheres, e isso não é aceitável para mim.”

Durante a estrofe, Eminem segue seu ataque verbal e também ironiza os críticos e a imprensa, que de certa forma também são responsáveis pela sua popularidade, reverberando tudo o que ele rima:

“’Ah, ele está estuprando a própria mãe, cheirando cocaína e vocês dão a capa da Rolling Stone pra ele? ‘ Sim vadia, você está certa, e agora é tarde. Eu ganhei três discos de platina e aconteceram tragédias em dois estados. Eu inventei a violência, suas vadias venenosas e voláteis”

Em ironiza o fato dele falar todas essas barbaridades e ter virado capa da conceituosa revista Rolling Stone em uma edição de 1999, enquanto surfava com o sucesso de ‘The Slim Shady LP’. Vale também ressaltar que os EUA estavam, mais do que nunca, sensíveis a tudo porque também em 1999 houve o famoso Massacre de Columbine, onde os alunos Eric Harris e Dylan Klebold mataram 13 pessoas, feriram 21 e depois se mataram na escola onde eles estudavam.

Entre vários debates que foram gerados após o assunto, uma delas seria o suposto poder que letras violentas e negativas poderiam influenciar os jovens, principalmente os que sofrem de bullying ou de algum outro distúrbio, de reproduzir o que as letras de seus ídolos diziam. Nesse balaio, os góticos, Marilyn Manson e Eminem entraram no hall de artistas criticados e perseguidos por suas letras chocantes, que influenciariam os jovens a matar, estuprar e se drogar.

Em então ironiza que agora é tarde demais e que graças as suas letras ele ganhou três discos de platina e foi responsável por duas tragédias no país, onde suas letras inventaram e incentivaram a violência ao redor do país e do mundo. A letra serve também como provocação e ponto de reflexão: a violência não está em Eminem escrever esses absurdos, mas sim a real violência está em volta, sendo ignorada pela mídia e sociedade enquanto eles “perdem tempo” dissecando e tentando moralizar as letras polêmicas dos artistas.

Vale lembrar também que, pós Columbine, os EUA ficaram muito mais “sensíveis” e “militantes” com tudo e qualquer coisa que pudesse influenciar negativamente os jovens, seja para o uso de drogas e outras ações potencialmente perigosas.

Chega o refrão, um dos populares da carreira de Eminem e de grande burburinho com os fãs, sempre tocadas nos shows:

Bitch, I’ma kill you! You don’t wanna fuck with me

Girls neither, you ain’t nothin’ but a slut to me

Bitch, I’ma kill you! You ain’t got the balls to beef

We ain’t gon’ never stop beefin’, I don’t squash the beef

You better kill me, I’ma be another rapper dead

For poppin’ off at the mouth with shit I shouldn’t have said

But when they kill me, I’m bringin’ the world with me

Bitches too, you ain’t nothin’ but a girl to me

(Vadia, eu vou te matar! Você não quer me foder; meninas também, você não é mais que uma vadia pra mim; Vadia, eu vou te matar! Você não tem bolas para discutir; Nós não vamos nunca terminar a discussão, eu não vou terminar; é melhor me matar, eu vou ser outro rapper morto por falar merda que eu não deveria ter dito; mas quando eles me matarem, eu vou levar o mundo comigo; as vadias também, você não é mais do que uma menina pra mim)

Esse papo de algum rapper morrer por falar algo que não deveria ser dito vem de Tupac Shakur e Notorious B.I.G., que foram assassinados diante da rivalidade da Costa Oeste e Leste e a treta que tiveram, que resultaram nas diss ‘Who Shot Ya?’ e ‘Hit Em Up’, o que teria contribuído ainda mais para o desejo de matança dos dois.

O refrão/gancho são feitos quase como uma pergunta e resposta, onde Eminem ameaça, pergunta e responde por que não podem mexer com ele: quem fizer isso vai morrer!

I said you don’t wanna fuck with Shady (’Cause why?)

’Cause Shady will fucking kill you (Ah, ha-ha)

I said you don’t wanna fuck with Shady (Why?)

’Cause Shady will fucking kill you

(Eu disse que você não pode ferrar com Shady (por quê?); porque Shady vai te matar, porra)

Em escreveu sobre isso no ‘Angry Blonde’:

“A primeira coisa da música que surgiu foi esse gancho: ‘You don’t… wanna fuck with Shady… Cause Shady… Will fucking kill you.’”

Na segunda estrofe, Eminem segue escrevendo como vai matar as pessoas e mulheres, liricamente e literalmente. O tom de voz do rapper em relação ao ‘The Slim Shady LP’ mudou um pouco. Se lá tudo poderia ser encarado como uma violência quase cartunesca, aqui é um pouco diferente.

Claro que Eminem não vai matar todo mundo como a música diz, mas isso é uma metáfora para a raiva que ele continua sentindo. Se antes era porque era pobre e sem oportunidades no mundo da música, agora o motivo é o fato de ser constantemente atacado e julgado por críticos, órgãos públicos e gatekeepers da mídia. Talvez a raiva tenha até aumentado, visto que, agora, Em não necessariamente rimava pela sua vida, e sim pelo prazer e como forma de arte e desabafo.

Uma das linhas mais interessantes dessa estrofe é essa:

Eminem offend? No, Eminem’ll insult

And if you ever give in to him, you give him an impulse

To do it again, then if he does it again

You’ll probably end up jumpin’ out of somethin’ up on the tenth

(Eminem ofende? Não, Eminem vai insultar; E se você reagir a isso, você vai dá-lo um impulso para fazer de novo; se ele faz de novo, provavelmente você vai acabar se jogando do décimo andar)

Qual a diferença de ofender e insultar? Ofender é quando os sentimentos são feridos por acidente. Insultar é fazer de propósito. Ou seja, Em/Slim irão propositalmente te machucar, fazer com que você fique indignado com as frases que ele rima nas músicas. Quanto mais as pessoas ficarem indignadas e reverberarem isso, mais as pessoas irão ouvir o seu trabalho e, consequentemente, lhe darão mais visibilidade e dinheiro.

Sendo assim, é um looping: Eminem ofende, as pessoas reagem e respondem, Eminem responde a ofensa com mais ofensas e por aí vai. É uma situação onde, por incrível que pareça, todos ganham: Em dá material para a imprensa trabalhar e o rapper ganha mais visibilidade e dinheiro, mesmo que muitos haters e críticos também.

Na sequência, ele repete a frase do pré-refrão (‘Bitch, i’ma kill you’) mas ele manda todo mundo se acalmar: não é hora do refrão, ainda há mais versos absurdos para proferir (“eu ainda não pintei a floresta com o seu sangue”).

A construção do início da terceira estrofe é também muito interessante:

Know why I say these things?

’Cause ladies’ screams keep creepin’ in Shady’s dreams

And the way things seem, I shouldn’t have to pay these shrinks

These 80Gs a week to say the same things tweece

Twice, whatever, I hate these things

(Sabe por que eu digo essas coisas? Porque os gritos das mulheres continuam aparecendo nos sonhos do Shady; e do jeito que as coisas parecem, eu não deveria pagar esses psiquiatras; Esses 80 pratas por semana para dizer as mesmas coisas ‘tweece’; duas vezes, que seja, eu odeio essas coisas)

Em português não faz sentido, mas em inglês, Em colocou propositalmente a palavra ‘tweece’ como rima de dreams e shrinks. Se fosse twice, ela perderia o valor da pronúncia sonora. Na sequência, ele se “corrige”, dando ainda mais vazão para a interpretação raivosa da música imposta por Slim Shady. Ele estaria tão raivoso que confunde as palavras “porque ele odeia essas coisas”.

Uma rima com vogais. Isso se encaixa nas técnicas do slip-hop teorizadas por Walter Crunkite, onde simplesmente um esquema de rima com um erro é feito para dar mais “credibilidade” ao som e ao eu-lírico, pois, segundo ele, “o excesso e a obssessão pela perfeição tirariam o caráter de expressão genuína que o hip-hop possui.”

No final da estrofe e de tantos absurdos líricos e formas de matança, a insanidade do Slim Shady é evidenciada: ele está com muita raiva.

“Cale a boca! Me dê suas mãos e pés! Eu disse ‘cala a boca’ quando eu tô falando contigo! Você tá me ouvindo? Me responda!”

Como alguém vai responder se Slim mandou ele calar a boca? Particularmente, acho essa frase muito engraçada, mostrando como está realmente fodido das ideias o Shady. E o pessoal achou que a fama e o reconhecimento do primeiro álbum iriam acalmá-lo…

No final da música, diante de todas essas barbaridades, Em lança o seguinte:

“Hahaha! Eu só estou brincando, senhoras! Vocês sabem que eu amo vocês!”

Se Eminem está brincando, então ninguém vai levar isso a sério, né? Bem…

‘Kill You’ é um cartão de visitas poderoso para o novo álbum e também já é o começo das respostas de Eminem para os críticos sobre o que ele iria fazer depois da violência cartunesca do ‘The Slim Shady’. Bom, é inegável dizer que dessa vez ele chegou em um outro patamar, ainda com Shady, mas com um toque mais Marshall Mathers. Não é o nome do CD, afinal?

Em escreveu mais sobre a construção do som para o livro ‘Angry Blonde’:

“Eu saí da turnê europeia em outubro de 1999 e liguei para o Dre. Disse que precisava de novas faixas. Ele estava trabalhando em algumas quando liguei. Lembro-me dele dizendo: ‘eu realmente não tenho novas faixas, mas estou tentando trabalhar em coisas novas hoje’. Enquanto ele falava isso, estava tocando uma faixa no fundo. Perguntei: ‘o que é isso?’ Ele respondeu: ‘O quê? Você quis dizer isso?’ e ele coloca no viva-voz do telefone a batida de ‘Kill You’. Eu disse: ‘Me mande essa merda’. Ele ficou surpreso: ‘Você quer isso? Essa é uma merda que estamos fodendo’. Eu respondi: ‘Tanto faz, me envie isso. Eu… vou… matar… essa…batida.’ Ele enviou pra mim e no dia seguinte eu escrevi a música. Gravei semanas depois, quando comecei o processo com o ‘The Marshall Mathers LP’. […] o refrão todo é basicamente batendo nas mulheres. Tipo, ‘eu vou te matar se você for uma garota do caralho’. Eu mato vadias, eu mato todo mundo e no final eu digo ‘Eu só estou brincando, senhoras. Você que sabe que eu te amo.’ É tipo, eu poderia falar o que quiser se no final eu dissesse que estava brincando. O que é legal é porque eu realmente faço isso. É engraçado, porque as pessoas pensam que a música é sobre minha mãe por causa das duas primeiras falas: quando digo que sou um garotinho e quando falo de estuprar a minha mãe. Depois disso, as referências param. A ideia toda dessa música era dizer as piores coisas, as mais fodidas.”

O problema é que nem todo mundo levou o conteúdo da música como uma simples brincadeira. Lynne Cheney, a esposa do então vice-presidente dos Estados Unidos, pediu restrições de idade nas vendas de músicas depois de citar a letra dessa música. Ela foi uma das que mais atacou o rapper nesse meio tempo.

Em 2001, trechos da música foram lidos no Congresso americano no exame das práticas de marketing da indústria do entretenimento.

Em 2002, o pianista francês Jacques Loussier processou Eminem e Dr.Dre, alegando que a faixa desse som foi sampleada sem autorização de sua composição ‘Pulsion’, de 1979. Ele pediu 10 milhões de dólares e exigiu que as vendas do CD fossem interrompidas e as cópias remanescentes fossem destruídas. O caso foi resolvido fora do tribunal.

Tudo isso só por causa de uma música do álbum. ‘Kill You’ já elevou a temperatura do CD que já era bastante aguardado. Na sequência, a coisa não poderia ter ficado melhor.

Diante da controvérsia das letras e da obsessiva questão de que Eminem deveria ser um modelo de comportamento ao invés de alguém que “incentive” práticas e ações tão nefastas, surge ‘Stan’. A letra fala de um fã incondicional de Em, que a medida que a música passa, fica mais louco ainda pelo rapper e tenta se aproximá-lo. É uma das maiores composições de todos os tempos.

Nesta música, Eminem tinha como objetivo mandar uma mensagem para seus fãs malucos igual Stan, que escreviam cartas perturbadoras, se relacionando literalmente com as coisas que Em escrevia. Era basicamente um: “pessoal, não me levem tão a sério assim. Não façam essas coisas.”

Outro motivo que levou Em a escrever esse som foi uma forma também de calar os críticos, “que eles se sentissem idiotas ao criticá-lo” porque, na época, Eminem ainda era visto como um artista “sem talento”, que buscava a notoriedade apenas com letras chocantes mas nem um pouco construtivas, com alguma mensagem por trás.

A faixa foi produzida por The 45 King. Paul Rosenberg, o empresário de Eminem, o enviou uma fita com uma das batidas do produtor e a faixa “Thank You”, da cantora inglesa Dido, que estava fazendo muito sucesso na época. Ela foi sampleada para o refrão do som.

Ao ouvir a música de Dido, Eminem sentiu que elas descreviam um fã obcecado, que se tornou inspiração para o som. O processo de composição de “Stan” foi diferente do que o rapper geralmente faz, na qual os conceitos da música se formam durante a gravação:

“’Stan’ foi uma das poucas músicas nas quais eu realmente me sentei e tinha tudo planejado. Eu sabia o que era.”

Mais tarde, Dido contou como soube que sua música havia sido sampleada:

“Um dia, do nada eu recebi uma carta. Ela dizia: ‘gostamos do seu CD, usamos essa faixa. Espero que não se importe e goste. Quando eles enviaram ‘Stan’ para mim e eu toquei no quarto do hotel, fiquei tipo: ‘Uau! Essa música é incrível!’.

Para o The Guardian, ela também falou sobre seu encontro com o rapper para gravarem o videoclipe. No início, ela estava assustada, em virtude da reputação e dos problemas de Eminem com a lei (principalmente com armas) e as letras polêmicas:

“Ele é adorável. Em um minuto, estávamos tirando sarro um do outro. As pessoas o confundem com os personagens de suas músicas. É como o Stephen King. Ele faz algumas coisas assustadoras e isso é distorcido além da crença. Não é real. Eu fiquei próxima o suficiente do Eminem para saber que ele não é misógino e homofóbico.”

Dido e Eminem: refrão sampleado do sucesso ‘Thank You’, da cantora.

No site Genius, Eminem escreveu sobre a batida da música:

“Me lembro quando Mark The 45 King me enviou essa batida. Quando ouvi pela primeira vez, eu fiquei tipo ‘puta merda!’, mas não sabia que seria tão grande. Quando estava escrevendo, fiquei pensando: ‘Uau, as pessoas vão pirar porque isso aqui vai durar por muito tempo’”.

A música começa já com o refrão sampleado de “Thank You”, da Dido. No clipe, ela interpreta a namorada de Stan.

My tea’s gone cold

I’m wondering why I got out of bed at all

The morning rain clouds up my window

And I can’t see at all

And even if I could it’d all be gray

But your picture on my wall

It reminds me that it’s not so bad, it’s not so bad

(Meu chá está ficando frio/ Eu estou imaginando porque saí da cama/ A chuva da manhã nubla minha janela e eu não consigo ver nada/ e mesmo que tudo esteja cinza/ mas a sua foto na parede me lembra que isso não é tão ruim, não é tão ruim)

Sobre o refrão, Eminem escreveu mais um pouco no site Genius:

“Quando eu escutei ‘sua foto na minha parede’, eu fiquei tipo: ‘ei, isso pode ser sobre alguém que me leva muito a sério’. Então eu sabia sobre o que ia escrever antes mesmo de começar a escrever. Muitas vezes, quando estou escrevendo músicas, eu tenho visões de tudo que estou escrevendo. Essa foi uma delas.”

Na primeira estrofe, Em interpreta Stan, um super fã do rapper que envia uma carta para ele falando do quanto ele o admira e como as histórias dos dois se entrelaçam. Ele também reclama que o rapper não o respondeu na primeira vez que ele escreveu. No clipe, um vento forte acidentalmente faz com que a carta de Stan caia da caixa de correspondências onde estão outras várias cartas de fãs que Em tenta responder quando possível.

“Querido Slim, eu te escrevi, mas ainda não tive resposta. Eu deixei meu celular, meu page e o número de casa lá em baixo. Eu mandei duas cartas no outono, você não deve ter recebido. Provavelmente foi um problema com os correios ou algo parecido. Às vezes eu escrevo os endereços de forma muito preguiçosa. Enfim, foda-se, como você está, cara? Como vai a sua filha? Minha namorada está grávida também, eu vou ser pai. Se tiver uma menina, adivinha qual vai ser o nome? Eu vou chamá-la de Bonnie. Eu li sobre o seu tio Ronnie, eu sinto muito. Eu tinha um amigo que se matou porque alguma vadia não queria ficar com ele. Eu sei que você provavelmente ouve isso todo o dia mas eu sou o seu maior fã, eu ainda tenho a merda underground que você fez com o Skam. Eu tenho um quarto cheio de pôsteres e fotos suas, cara. Eu também gostei da merda que você fez com o Rawkus, aquela merda foi excelente. Enfim, espero que isso chegue até você, me escreva de volta, apenas para conversar. Atenciosamente seu maior fã, esse é Stan”.

Stan é tão fã de Eminem que escreve para Slim, como se fosse realmente próximo. Ele é um fã tão obcecado que, além das fotos e pôsteres, também escuta os materiais undergrounds do rapper antes dele se tornar famoso com o ‘The Slim Shady LP’, como por exemplo os trabalhos com Skam e o Rawkus.

A batida do fundo da música tem o som da chuva, de trovões e do lápis escrevendo no papel. Vale ressaltar que essa é uma rara música epistolar, o que significa que os fatos são narrados através de cartas e documentos. Na literatura, um exemplo clássico desse tipo de narrativa é o livro “Ligações Perigosas”, de Chordelos de Laclos.

Na segunda estrofe, Stan começa a ficar triste com Eminem. O rapper não o respondeu e o desapontou no show que ele foi com o irmão mais novo, Matthew. Em não os deu atenção, e Stan escreve como suas músicas o ajudam a suportar as dores e depressão que sofre. Ele não está bem:

“Querido Slim, você ainda não me ligou ou me respondeu, eu espero que você tenha uma chance. Eu não estou bravo, só acho que é uma merda não responder os fãs. Se você não quer falar comigo depois do show tudo bem, mas você poderia ter dado um autógrafo para o Matthew. Ele é o meu irmão mais novo cara, ele só tem seis anos, ele te esperou naquele frio de rachar por quatro horas e você simplesmente disse não. Isso é uma merda, você é o ídolo dele, porra. Ele quer ser igual a você, ele gosta mais de você do que eu. Eu não estou tão bravo, só não gosto quando me enganam. Se lembra quando a gente se encontrou em Denver? Você disse que se eu escrevesse, você me escreveria de volta. Veja, nós somos parecidos: eu também nunca conheci meu pai, ele sempre traía e batia na minha mãe. Eu posso me ligar com o que você diz nas músicas, então quando eu tenho um dia de merda eu saio por aí porque eu não tenho mais merda nenhuma e isso me ajuda quando estou deprimido, eu até tenho uma tatuagem com seu nome acima do peito. Às vezes eu me corto pra ver o quanto isso sangra, é tipo uma adrenalina, a dor é uma viagem incerta para mim. Veja, tudo que você diz é real e eu te respeito porque você diz isso. Minha namorada fica com ciúmes porque falo de você 24/7, mas ela não te entende como eu te entendo Slim, ninguém entende. Você precisa me ligar, cara, eu vou ser o maior fã que você vai perder. Sinceramente, Stan. P.S: A gente deveria estar junto também.”

Na terceira estrofe, Stan surta de vez. Sem respostas de Slim, ele começa a beber e dirige pela estrada chuvosa bêbado, vociferando contra Eminem e com a namorada grávida amarrada no porta-malas, cenário descrito pelo rapper nas músicas ‘Just The Two Of Us’ e ’97 Bonnie & Clyde’:

“Querido Senhor ‘Eu-Sou-Muito-Bom-Para-Escrever-Ou-Falar-Com-Meus-Fãs’, essa é a última carta que eu mando na sua bunda. Já se passaram seis meses e não recebi nenhuma resposta — eu não mereço? Eu sei que você recebeu minhas últimas duas cartas, eu escrevi o endereço perfeitamente! Então eu vou te enviar esse cassete, espero que você ouça: eu estou no carro agora, andando a 130 km/h na estrada! Hey Slim, eu tomei um pouco de vodka, eu posso dirigir? Você sabe a música do Phil Collins, ‘In The Air Of The Night’ sobre o cara que poderia salvar o outro de se afogar mas não fez, aí o Phil viu e o encontrou em seu show? Vai ser tipo isso: você poderia ter me resgatado mas agora é tarde, eu estou muito longe — eu estou sonolento. Eu só queria uma carta ou um telefonema, saiba que arranquei todas as suas fotos da parede! Eu te amei Slim, nós poderíamos estar juntos, pense nisso! Você arruinou isso, eu espero que você não durma e sonhe sobre isso, e quando você sonhar eu espero que você não durma e se assuste com isso! Espero que sua consciência pese e você não consiga respirar sem mim! Veja, Slim — Cala a boca, vadia! Estou tentando falar! Ei Slim, essa é a minha namorada gritando no porta-malas, mas eu não cortei a garganta dela, eu apenas a amarrei — Viu? Eu não sou que nem você! Porque se ela sufocar, ela vai sofrer mais e vai morrer também! Bem, tenho que ir, estou quase chegando na ponte. Merda, eu esqueci! Como que eu vou enviar essa merda?”

Vale ressaltar que Stan está tão bêbado que definitivamente não consegue discernir a fantasia da realidade. Mesmo que ele diga que é diferente de Slim, ele segue obcecado: bêbado e raivoso, fez ironia com a frase de beber vodka, tal qual em ‘My Name Is’. Além disso, ele copia o que Em “fez” em “97 Bonnie & Clyde”, onde amarra a namorada no porta-malas. A diferença é que Slim corta a garganta dela, enquanto Stan a sufoca para que ela “sofra mais”.

Devon Sawa, o eterno Stan. Foto: Reprodução/Internet

Depois disso, há um barulho de batida. A namorada de Stan grita e é possível ouvir o carro caindo no mar. Volta o refrão e, na sequência, surge Eminem, finalmente respondendo o fã fervoroso:

“Querido Stan, eu queria te escrever antes, mas estive ocupado. Você disse que sua namorada está grávida, como elá está? Quantos meses? Olha, eu fico lisonjeado que você vai chamar a sua filha de Bonnie e aqui está um autógrafo para o seu irmão, eu escrevi no boné. Desculpa não ter te visto no show, eu acho que não te encontrei, não pense que fiz isso de propósito para te magoar, mas que merda é essa que você escreveu sobre cortar os pulsos também? Eu digo essas merdas para brincar cara, qual é, o quão fodido você está? Eu tenho algumas coisas para te escrever Stan, eu acho que você precisa de aconselhamento para manter a sua cabeça no lugar. E que merda é essa da gente estar junto? É esse tipo de merda que faz com que eu não queira te conhecer. Eu realmente acho que você e sua namorada precisam ficar juntos ou talvez você precisa tratá-la melhor. Eu espero que você leia essa carta em tempo antes que se machuque, eu acho que isso vai te fazer bem, se você relaxar um pouco. Eu fico agradecido em te inspirar, Stan, mas por quê você está tão bravo? Tente entender eu te quero você como um fã. Eu não quero que você faça merdas estúpidas, eu vi uma merda no canal de notícias algumas semanas atrás que me deixou bem triste: um cara estava dirigindo bêbado e caiu da ponte e tinha a namorada no porta-malas, ela estava grávida de um menino, e no carro eles encontraram uma fita, mas eles não disseram quem era. Pensando melhor, o nome dele era… era você! Droga…”

Stan é uma obra de arte. Uma das maiores composições de Eminem e que, naquela época, era um recado claro para os críticos: ele não escrevia apenas coisas para chocar e ser polêmico. Quando queria, poderia escrever uma bela composição, uma história, e também com conteúdo, um alerta e uma mensagem para seus fãs mais fervorosos: assim como a imprensa, não levem a sério tudo que ele escreve nas músicas.

Tenham discernimento para distinguir Eminem, Slim Shady, Marshall Mathers, a violência e o humor cartunesco das letras e o que realmente é real. Do contrário, podem existir milhares de Stans e com final semelhante, se é que não existiram… Aliás, a história é 100% fictícia, para deixar claro.

O rapper falou mais sobre a música:

“Basicamente é sobre cartas malucas de fãs que recebo das pessoas, e é sobre um cara que está realmente doente, você entende o que eu estou dizendo? Ele entende de forma literal tudo o que eu falo, tipo, se eu quero cortar meus pulsos, ele quer cortar meus pulsos. Ele é louco de verdade, eu não, tipo, tudo que eu falo ele diz que pode entender, que acontece igual na vida dele. Então, no final da música, ele comete suicídio e dirige com a namorada num rio, isso é louco. Mas isso é tipo uma mensagem que eu deixo para os fãs, para que eles saibam que nem tudo que eu falo é pra ser levado de forma literal, apenas a maioria das coisas.”

Se Stan já é uma composição memorável do jeito que é (quatro estrofes, epistolar, samples e tudo mais), ela poderia ter um resultado bem diferente. É o que Eminem revelou em 2011, durante participação na rádio dele, a Shade 45:

“Tem um verso que o Stan sai da água. Ele sobrevive e vai até a minha casa para me matar. Aí eu preciso matar ele primeiro, mas não consigo, e ele fica no hospital por umas três semanas. Ele fica puto porque eu não escrevi nenhuma carta de ‘melhoras’, então ele vai e tenta me matar de novo. No verso final, eu simplesmente dou um tiro na cabeça dele.”

Na terceira estrofe, quando Stan está bêbado no carro, também poderia ter um desfecho diferente e, para Eminem, até melhor:

“Quando gravamos ‘Stan’, eu trabalhei com vários engenheiros diferentes, mas um em particular eu nunca tinha trabalhado antes. Enquanto nós estávamos gravando a terceira estrofe, ele começou a enrolar um baseado e me perguntou se eu me importava dele fumar enquanto editávamos. Eu disse ‘sem problemas’. Tudo estava legal, eu cheguei nas últimas três linhas mas estraguei tudo, então tudo o que ele tinha que fazer era mexer nos meus vocais no final para que eu pudesse refazer a linha e terminar o verso. Naquela época, estávamos gravando em uma fita de duas polegadas, então se você gravar por cima, já era. Então eu estou na cabine esperando e ele volta a fita até o início para eu começar a gravar. Eu percebi que ela estava no lugar errado e eu não ouvia meus vocais, então comecei a balançar os braços e gritar no microfone pra chamar a atenção dele. Ele não percebe, então eu corro para a sala de controle em meio uma nuvem de fumaça e grito ‘ei, eu queria continuar com esses vocais’. Ele me olhou e disse: ‘foi mal, cara… você quer dar um tapa?’

A primeira metade do verso desapareceu. Eu regravei, mas vocês deveriam ter ouvido o verso original… aquela merda estava MUITO melhor…”

Diante da memória afetiva que temos com o som, fica difícil concordar agora. É aquela coisa: se melhorar, estraga.

Stan foi um grande ponto na carreira de Eminem porque além de mostrar uma vertente até então não muito explorada, a de um contador de histórias com boas mensagens para os fãs e críticos sem necessariamente ofender e chocar, isso fez com que as pessoas reconhecessem o talento do rapper e sua polivalência lírica.

Além disso, o eu-lírico, ao usar um artifício comum nos romances (epistolar, de cartas e documentos), invocou ainda mais teatralidade para o hip-hop, permitindo assim a Eminem evidenciar, através do tom de voz, qual era o personagem/eu-lírico que ele interpretava em cada estrofe. Foi mais ou menos isso que escreveu Wendell de Oliveira Albino:

“Toda a história é contada a partir de cartas, sendo que temos além da batida da música, o som do lápis riscando o papel e também o barulho da chuva caindo. Consequentemente, o ouvinte mergulha de forma profunda nessa narrativa musical de cunho realista. O rapper acaba utilizando-se de duas tonalidades vocais diferentes para interpretar os personagens da história. Desse modo, Eminem reivindica para o rap seu status artístico, integrando teatralidade ao gênero musical.”

Além do conteúdo lírico, ‘Stan’ também foi histórica pela repercussão e foi usada pelo rapper para dar uma volta nos críticos que o perseguiam em virtude de suas letras.

Com o lançamento do ‘The Marshall Mathers LP’, ficaram ainda mais acentuados os posicionamento dos órgãos públicos de direitos humanos, das mulheres e dos LGBT, alvos das músicas de Eminem e que protestavam contra o artista e quem, de certa forma, “dava palco” para que ele ganhasse ainda mais notoriedade.

Foi o caso do Grammy de 2001. Em foi indicado em quatro categorias e se apresentaria lá. Do lado de fora do Staples Center, muitos protestos desses órgãos, que, entre várias faixas, ressaltavam que “música não é odio”.

Enquanto Eminem brilhava no Grammy, milhares de pessoas da GLAAD protestavam contra o rapper do lado de fora do Staples Center, onde ocorria a premiação. Foto: Reprodução/Internet

Meses antes, até a esposa do vice-presidente dos Estados Unidos usou o Congresso para atacar o rapper e o mundo da música que seguia “lhe premiando por ser misógino e homofóbico”.

O que ninguém esperava é que Eminem faria história naquele Grammy ao cantar ‘Stan’, de surpresa, com Elton John. E o pior: foi tudo ideia dele, conforme escrito no livro ‘The Way I Am’:

“Aquilo foi histórico, bem ali. Ele foi muito legal comigo; ele entendeu da onde eu vim, e percebeu que eu não era o homofóbico que as pessoas falavam que eu era. Elton se colocou na linha de tiro ao se apresentar comigo — em termos de se arriscar aos seus fãs que não gostavam de mim — e eu sempre vou respeitá-lo por isso. Esse gesto me ajudou muito — me fez controlar o nervoso com relação aos protestos que estavam tendo na porta querendo que eu desaparecesse para sempre.

Acredite ou não, a ideia de se apresentar com Elton foi minha! Eu estava pensando que aquilo iria realmente chocar as pessoas e juntá-las.

Elton e eu somos amigos. Ele se casou com outro cara! Ele é gay! Nós somos amigos! E quem se importa? Quando ensaiamos para o Grammy, conversamos sobre as pessoas que estavam contra mim. Acho que era difícil para as pessoas entenderem que, para mim, a palavra ‘viado’ não tem nada a ver com a preferência sexual. É algo como ‘idiota’ ou ‘imbecil’. Quando as pessoas começaram a se irritar com isso eu comecei a usar com mais frequência só para irritá-las mais. Eu não estou em posição para comentar isso porque não sou gay, mas quem você escolhe ter um relacionamento e o que você faz no quarto isso é problema seu.”

Eminem e Elton John: apresentação surpresa dos dois no Grammy é lembrada até hoje; eles são grandes amigos. Foto: Reprodução/Grammy

Claro que a posição de Elton John foi polêmica e, mesmo o cantor tendo em seu histórico a luta pelos homossexuais, ele foi criticado por cantar com o “monstro” Eminem:

“Elton John foi bom no passado em falar sobre questões de igualdade para gays sobre questões de ser contra a linguagem violenta contra gays. Estou bastante surpresa e consternada que ele escolheria se apresentar com Eminem”, disse Lynne Cheney em um comunicado à imprensa logo após o Grammy.

Elton John também falou sobre a apresentação daquela noite:

“Me surpreende que as pessoas não consigam ver que o que ele está fazendo é uma performance. Ele desempenha um papel no palco e aperta os botões. Acho que ele é incrível como artista e como pessoa. A indústria da música precisa de pessoas que possam ser subversivas. Como compositor não-subversivo, eu particularmente aprecio e admiro suas letras. Passei três dias com ele nos Estados Unidos e posso lhe dizer, ele é muito calmo, muito modesto, muito doce e muito tímido “.

Em e Elton são amigos até hoje. O cantor inclusive foi um dos que mais ajudou Marshall enquanto ele lutava contra a depressão e o vício em álcool e drogas, situação pela qual o próprio Elton já havia enfrentado no passado.

Para Anthony Bozza, autor do livro ‘Whatever You Say I Am’ (2003), Elton John conseguiu captar a jogada de Eminem, ao contrário de muitos, e que isso ajudou o rapper a diferenciar muitas coisas:

“Elton John, na minha opinião, entendeu o que os guardiões da moral não entenderam: se Eminem era esperto o suficiente para pressionar os botões que possuía, era esperto o suficiente para não odiar homossexuais e conhecer quem usava suas músicas como declaração de missão, os extremistas com os quais realmente precisava se preocupar.”

‘Stan’, além de ser histórica por esses motivos, também entrou para o dicionário. No início, se popularizou a expressão Stan não só como aqueles fãs fanáticos pelo Eminem, mas também todos os fãs fanáticos por qualquer coisa. Recentemente, o verbete entrou no dicionário Oxford como um substantivo informal, que significa “um fã excessivamente zeloso ou obsessivo de uma celebridade em particular.”

Stan: verbete de dicionário. Foto: Reprodução/Internet

Ou seja: somos todos Stans de algo ou alguém.

Depois de duas letras tão diferentes mas igualmente intensas, chegou a hora de uma pausa, mesmo que estejamos na quarta faixa. Hora de um skit para relaxar.

Assim como no ‘The Slim Shady LP’, surgiu a skit de Paul Rosenberg, o empresário de Eminem. Se no primeiro álbum ele pediu para Slim maneirar nas letras para evitar problemas futuros, dessa vez ele fica sem palavras porque qualquer tentativa de suavizar o álbum é inútil.

“Em, o que está acontecendo? É o Paul. Ahn… Dre me deu uma cópia do novo CD e eu… (respira fundo)… foda-se”.

Esse é mais um sinal de Eminem de que no ‘The Marshall Mathers LP’ ele vai cruzar muito mais a fronteira do que em relação ao anterior. Ou seja: se preparem, estamos ainda no início.

Diante de todo o debate sobre as letras violentas e preconceituosas e como isso pode influenciar quem as escuta, na música seguinte Em tratou de ridicularizar quem acredita nisso. Em “Who Knew”, o rapper desdenha daqueles que acham que todo mundo vai começar a fazer tudo o que ele escreve de forma literal. Interessante notar como essa música vem logo após Stan, um recado muito mais claro e “poético”.

Na música, Em adota uma abordagem satírica das críticas sobre sua influência negativa sobre a juventude ao mesmo tempo em que ele mesmo aponta outros fatores bem mais importantes do que as letras de músicas.

Na introdução, Eminem meio que canta o refrão enquanto reflete sobre como tudo mudou tão rapidamente na vida dele:

(Eu nunca saberia) Quem poderia saber?

(Eu nunca saberia) Quem saberia?

(Eu nunca saberia) Porra, quem poderia saber?

(Eu nunca saberia) O filho da puta surge

(Eu nunca saberia) Vende milhões de cópias

(Eu nunca saberia, saberia, saberia)

E esses filhos da puta estariam no topo

Eminem sempre usou a música como terapia e forma de expressão diante das dificuldades da vida. A criação do alter-ego, Slim Shady, também foi para dar vazão a esses sentimentos “proibidos”. Era difícil imaginar que ele ganharia tanto reconhecimento e repercussão, ainda mais sendo branco e pobre. Com isso, começou a ganhar críticas e ódio daqueles que acham que suas letras causam e influenciam letras violentas. Ainda assim, também existem milhões que compram e escutam suas músicas.

Não é a música de Eminem que desperta o mal das pessoas, ele é apenas um bode expiatório, bem como as composições são válvulas de escape para suas raivas e frustrações. É óbvio que o cara não escreve isso querendo que tudo isso aconteça.

Eminem já começa a primeira estrofe indo na jugular dos críticos, ironizando-os. Começo pela primeira frase:

I don’t do black music, I don’t do white music

I make fight music for high school kids

(Eu não faço música para negros, eu não faço música para brancos; eu faço música de briga para as crianças da escola)

Eminem foi acusado pelos críticos de ser uma “versão branca” das músicas dos rappers negros, influenciando as crianças brancas que começaram a escutá-lo depois que ele bombou na MTV, com um público completamente diferente do que era o hip-hop antes. Eminem, por ser o próprio exemplo disso, sempre entendeu que a música não tem cor, como explicou em uma entrevista para Matt Diehl em 1998:

“Se há uma música que pode quebrar barreiras racistas é o hip-hop. Quando faço shows, olho para a multidão e vejo negros, brancos, chineses, coreanos — eu vejo todas essas nacionalidades lá por um motivo. Você não vê essa merda em um show de country ou de rock. É o hip-hop que está fazendo isso.”

Ao atingir um novo público, branco e de classe média, as letras ganharam muito mais repercussão, mas elas não são inéditas no mundo do hip-hop, pelo contrário. A novidade era a penetração em lares que antes não acessavam a esse tipo de música. Para Sia Michel, editora-chefe da revista “Spin”, houve uma espécie de racismo, pois um branco está rimando as mesmas coisas que os negros mas apenas o branco está sendo criticado porque ele não deveria estar fazendo isso, ao mesmo tempo que as pessoas não esperam que os negros sejam capazes de rimar algo além de gangues, assassinatos, carrões e mulheres:

“Foi um tipo de racismo estranho, onde foi tipo ‘Ah, bem, você sabe como são esses rappers gangsta, eles dizem muita merda louca’. Como se não esperássemos mais nada a partir de então. E então alguns anos depois, o branco sai dizendo coisas semelhantes e é totalmente chocante. Este homem loiro e branco está dizendo essas coisas, nós vamos ficar com raiva disso. É meio racista, apenas assumindo que Eminem deveria ser menos violento ou usar uma linguagem menos ofensiva do que qualquer outra pessoa, simplesmente por causa de sua raça. É mais difícil para as pessoas suportar.”

Essa frase inicial também foi usada no início do verso da música “Turn Me Looser” que ele gravou com o Limp Bizkit antes deles brigarem. Além disso, Kendrick Lamar também a usou em um dos versos na música “Average Joe”, no ‘Overly Dedicated’.

Na sequência, ele segue ironizando as críticos diante do peso que as letras dele possuem ao dizer que ele coloca vidas em risco ao beber e dirigir igual em ‘My Name Is’ ou quando usa uma faca igual quando mata Kim em ’97 Bonnie & Clyde’ e outras canções violentas.

Ele também deixa uma reflexão para aqueles que dizem que ele precisa ter mais cuidado com as palavras:

Oh, you want me to watch my mouth

How? Take my fuckin’ eyeballs out and turn them around?

(Oh, você quer que eu tenha cuidado com a minha boca; como? Tirando a porra dos meus olhos e desviá-los?)

Eminem responde aos críticos pela controvérsia em torno do ‘The Slim Shady LP’, que ele não poderia falar coisas tão absurdas e que isso poderia ser entendido de forma literal por influenciáveis. Ele simplesmente responde que só rima sobre a realidade ao redor dele. Se não querem que ele fale sobre isso, é melhor que mudem a realidade ao invés de tentar censurá-lo, calá-lo ou cegá-lo.

No final da estrofe, um ataque genial aos detratores: imprensa, haters e defensores da moral e dos bons costumes.

“Você quer que eu maneire nas letras enquanto o seu presidente ganha um boquete? Foda-se! Use drogas, estupre vadias, faça piadas sobre boates gays e pessoas que se maquiam, fique atento, acorde, tenha senso de humor! Desista de tentar censurar músicas, isso é para a diversão de suas crianças! Mas não me culpe quando o pequeno Eric pular do terraço. Você deveria estar cuidando dele, aparentemente vocês não são pais de verdade.”

O recado de Eminem é claro: enquanto as pessoas enchem o saco por tudo o que ele escreve, o então presidente dos EUA se envolve em um escândalo sexual. Ele apenas escreve tudo o que vem na cabeça e não vai aceitar censura. Ao escrever isso, Em está “entretendo” as crianças que nem deveriam estar escutando a música porque o CD é para maiores de 18 anos. Os pais, ao invés de criar e educar seus filhos, preferem culpar um rapper pelo fato das crianças ouvirem um palavrão e coisas absurdas.

No final, ele usa a metáfora do Eric como uma criança média americana, mas também pode ter um duplo sentido: Conor, o filho de Eric Clapton, morreu ao cair do terraço de casa porque o guitarrista não estava cuidando dele, assim como Eric Harris foi um dos atiradores de Columbine. Não adianta culpar Eminem por todo o mal do mundo se você é incapaz de educar seu próprio filho.

Chegamos ao refrão:

’Cause I never knew I, knew I would get this big

I never knew I, knew I’d affect this kid

I never knew I’d get him to slit his wrist

I never knew I’d get him to hit this bitch

(Eu nunca poderia imaginar que ficaria tão grande; Eu nunca poderia saber que iria afetar essa criança; Eu nunca saberia que faria ele cortar os pulsos; Eu nunca poderia saber que ele ia bater nessa puta;)

Eminem jamais poderia imaginar que seus pensamentos poderiam influenciar tantas pessoas ao redor do mundo a cometer de forma literal seus atos líricos.

No início da segunda estrofe, Em faz uma pergunta que no fim das contas soaria como uma premonição:

“Então, quem está trazendo armas para esse país? Eu não conseguiria passar com uma arma de chumbo de plástico pela alfândega em Londres”

É a estrofe da hipocrisia. Em critica a facilidade com que as armas entram nos Estados Unidos, diferente de como funciona na Inglaterra, por exemplo. As pessoas com acesso as armas podem fazer coisas muito piores do que um rapper escreve, certo? Mas ninguém parece se importar muito com isso. Isso é violência de verdade, mas os olhos estão nas letras de Eminem. Ao mesmo tempo, essa fragilidade nos aeroportos foi denunciada quase um ano e meio antes do 11 de Setembro…

Em segue questionando a hipocrisia do discurso de seus críticos:

“Semana passada eu fui assistir o filme do Schwarzenegger. Ele está lá metralhando aqueles filhos da puta com uma Uzi. Eu vejo três crianças pequenas na frente gritando ‘vai’ com o tio de 17 anos do lado. Tipo, orientação? Eles não têm os mesmos pais e mães que ficaram bravos comigo quando eu perguntei se eles gostam de violência?”

Eminem se refere a frase do início de ‘My Name Is’, o seu grande sucesso até então (“Hi Kids, do you like violence?”) Ou seja: Em falar isso numa música é um absurdo, mas crianças pequenas assistindo filmes e séries onde uma pessoa metralha outras não tem. Os pais não falam nada.

Ele continua:

“E eles ainda falam que minha música fizeram com eles falem palavrão? E o que falar sobre a maquiagem que você deixa para sua filha de 12 anos usar? Então me diga que seu filho não sabe nenhum palavrão enquanto o motorista da escolar grita com ele de forma até pior!”

Enquanto ficam indignados com Eminem falar tantos palavrões, os mesmos pais deixam que suas filhas se maquiem e comecem a se vestir como mulher quando na verdade são apenas crianças ou pré-adolescentes. Talvez isso seja tão ruim ou pior do que letras de música, assim como certamente não foi Eminem que abriu o universo de palavrões para as crianças. Alguns pais são más influências piores do que Slim Shady e o culpam pela sua incapacidade, isso é um fato.

Eminem ainda conta sobre o fato de ter sofrido bullying na infância, espancado, mijado e trocado de escola várias vezes como ele contou em “Brain Damage”. No final, ele pergunta: “O quão fácil seria a minha vida se 19 milhões de filhos da puta fossem igual a mim quando crescer?” Afinal, foi esse o número de cópias que o ‘The Slim Shady LP’ vendeu.

No início da terceira estrofe, Eminem reflete sobre a rápida ascensão que teve na vida e na carreira:

“Eu nunca poderia imaginar que eu teria uma nova casa ou carro, há alguns anos eu estava mais pobre do que você”

Pra quem viveu a vida toda na pobreza e encarando dificuldades, cantar assim também pode ser uma forma de confirmar que tudo isso é verdade, não é uma miragem ou um sonho. É, sim, tudo verdade. Quem poderia imaginar? Apenas Eminem.

Os ataques as letras de Eminem e outras artistas controversos no geral ficaram ainda maiores depois do Massacre de Columbine. Em continua a refletir:

How many retards’ll listen to me

And run up in the school shootin’ when they’re pissed at a tea

-cher? Her? Him? Is it you? Is it them?

“Wasn’t me, Slim Shady said to do it again!”

Damn, how much damage can you do with a pen?

Man, I’m just as fucked up as you woulda been

If you woulda been in my shoes, who woulda thought

Slim Shady would be somethin’ that you woulda bought?

That woulda made you get a gun and shoot at a cop

I just said it, I ain’t know if you’d do it or not

(Quantos retardados vão me escutar e ir correndo pra escola metralhar todo mundo quando eles ficarem putos com a professora? Ela? Ele? É você? São eles? ‘Não fui eu, Slim Shady me disse para fazer isso de novo!’Droga, o quanto você pode machucar com uma caneta? Cara, eu estou tão fodido quanto você poderia estar. Se você estivesse no meu lugar, quem poderia imaginar que você compraria algo como Slim Shady? E que isso faria você pegar uma arma e atirar num policial. Eu só disse isso, eu não sei se você faria isso ou não)

O álbum tem várias referências ao Massacre de Columbine, que aconteceu um ano antes. Os estudantes Eric Harris e Dylan Klebold entraram em sua escola e alvejaram em direção a todos, vitimando 13 pessoas. Foto: Reprodução/Interent

Como disse no início e no refrão, Eminem trata sua música como terapia e como uma forma de se expressar. Como o título da música diz, ele jamais poderia imaginar que suas letras pudessem repercutir tanto e, pior, “influenciar negativamente” crianças e adolescentes a ponto delas se inspirarem a fazer igual, literalmente.

A música é um recado: Em se cansou de tentar explicar o que quis dizer com suas músicas. Se vocês acham ele misógino, homofóbico e uma má influência, vocês não viram nada. Ele vai escrever mais e mais essas coisas porque isso dá mais repercussão e todo mundo fica revoltado.

Aliás, esse é o grande ponto da música: enquanto todo mundo fica colocando uma lupa e supervalorizando tudo o que ele faz, coisas piores acontecem ao redor e ninguém fala nada, como a violência real com armas nos Estados Unidos, a alfândega insegura, filmes onde crianças olham alguém metralhando os outros e ninguém diz nada. Ah se o problema da sociedade fossem as letras dos artistas…

Inicialmente, “Who Knew” era para ser o primeiro single do projeto. No entanto, a Interscope entendeu que a música deveria ser mais “amigável para a rádio”, tanto na letra quanto no ritmo. Em acabou compondo ‘The Real Slim Shady’ para isso. Essa disputa editorial entre a liberdade criativa do artista e as pressões e exigências da gravadora foram bastante exploradas por Eminem nas composições e na construção do álbum, como o skit a seguir vai mostrar.

Interessante como nesse início de álbum é basicamente uma música e uma skit. Eminem sempre disse que gostava dos skits porque elas eram um “respiro” para as letras e, convenhamos, mesmo que só tivessem tocado três até agora, elas tinham muita densidade, muito material para ser absorvido e analisado. Além do mais, o pessoal começou a entender que as skits eram uma marca registrada de Eminem para que as pessoas também entendessem melhor o conceito do álbum.

A próxima skit se chama Steve Berman, um personagem que seria recorrente nos projetos do rapper. Ele é o presidente de vendas e marketing da Interscope Records. A skit mostra a pressão para que Eminem crie discos comercialmente bons (ou seja, mais pop). Steve confronta Em com raiva sobre o conteúdo lírico do álbum.

Steve Berman. Foto: Reprodução/Internet

No fundo da conversa, está tocando ‘What’s The Difference” de Dr. Dre, do então recém-lançado álbum ‘2001’.

- Hey

- Hey Em, como você está?

- Steve Berman, como você está, cara? Bom te ver de novo. Como vai?

- Em, você pode entrar e sentar, por favor?

- Umm, sim, qual o prob…

- Vanessa, feche a porta!

- Então, quais são as projeções para a primeira semana?

- Seria melhor se você não tivesse feito nada

- O q…

- Esse CD é pior que nada. Eu não posso vender essa porra

- O qu…

- Você sabe o que está acontecendo fora daqui?

- Qu, qu, qu, qual é o problema?

- Violet Brown mandou eu me foder

- Quem é Violet…

- Tower Records disse para enfiar esse CD na minha bunda. Você sabe como é ser avisado para enfiar um disco na bunda?

- Mas eu…

- Eu vou perder meu emprego com isso, porra. Você sabe por que o CD do Dre foi tão bom? Porque ele rima sobre TVs gigantes, blunts, armas e vadias. Você rima sobre homossexuais e vicodin!

- Quer dizer…

- Eu não posso vender essa merda!

- O quê…

- Ou você muda as músicas ou não vai rolar!

- O que eu…

- Agora sai da porra do meu escritório!

- O que eu tenho…

- AGORA!

- Tudo bem, cara (que seja)

De forma humorada e dramática, Em mostrou para o mundo toda a pressão que tinha da gravadora antes de lançar esse CD tão polêmico. O mais irônico é que o ‘The Marshall Mathers LP’ foi o CD mais vendido… ah, escrevo sobre isso depois. Pois bem, diante da ameaça de não ter seu CD nas ruas, Em teve o combustível que precisava para disparar contra a sua própria gravadora e, de quebra, fazer mais uma composição muito forte.

‘The Way I Am’ mostra um lado mais sombrio e emocional de Eminem. Apesar de ter sido escrita antes de ‘The Real Slim Shady’, era o início de uma tradição conceitual do rapper: primeiro lançar uma música engraçadinha para depois outra mais séria, pesada, pessoal.

‘The Way I Am’, como já mencionada antes, é o resultado em tom de desabafo, raiva e xingamentos a tudo que pressionava Em na época: as críticas, o fato de se tornar uma celebridade e não ter mais privacidade por estar sempre rodeado de fãs e paparazzis e, como o clipe mostra, o início do desmoronamento de sua vida afetiva pessoal com a então esposa Kim e a incapacidade de separar o rapper da persona, expondo aqueles que ele mais ama (Kim e Hailie).

Além do mais, ela vem como resposta ao skit anterior que mostra, de forma mais dramática é claro, a pressão da Interscope para que Eminem gravasse um single mais pop para as rádios e, assim, vender mais e mais para ser mais popular, mas mais popular para quem? Para o hip-hop ou para o mundo pop que ele tanto odeia apesar de ter virado um produto dele pelas roupas, por ser branco e o cabelo loiro que o assemelha a um cantor pop ou uma boy band qualquer?

A música começa com o final do skit, onde Eminem diz “cara, que seja” em resposta a Steve, que exigia que as letras do álbum fossem modificadas para que ele pudesse lançar o projeto. O “que seja”, neste caso, pode mostrar como Eminem não está nem aí para o que as pessoas pensam dele, e isso inclui a própria gravadora e seus pedidos de músicas mais leves e pops para vender mais e que faria o que quisesse para se expressar do jeito que deve.

Na introdução, com uma batida que se mistura com um som de piano, onde Eminem orienta Dr. Dre a deixar a batida correr e aumentá-la um pouco. Esta foi a primeira música da carreira onde Eminem produziu tudo (rimas e batidas). Foi o começo de uma vertente muito conhecida do rapper com o passar dos anos, que o ajudou ainda mais na carreira e também daqueles que ele era próximo e os revelou: ser um produtor tão perfeccionista quanto o mentor, Dre.

Em escreveu sobre isso no livro ‘Angry Blonde’:

“’The Way I Am’ foi uma das poucas faixas que fiz completamente sozinho. Eu estava com a batida na cabeça antes de entrar no estúdio para mandar ver. Eu tinha a rima e o loop do piano funcionando bem. Eu fiz Jeff tocar o loop e eu terminei a rima ouvindo-a no meu headphone enquanto estava a caminho de Los Angeles. É por isso que o flow é assim, porque tudo o que eu tinha era o loop do piano nos meus fones de ouvido. Eu queria fazer algumas coisas diferentes. Pensei nas rimas primeiro. Quando cheguei na terceira estrofe, não queria que a cadência da rima parasse de ir com o piano. Mesmo se eu parasse com o rap, eu fazia as palavras ecoarem, então elas continuariam com o piano.”

Também na introdução, a exemplo do que ele fez em ‘Rock Bottom’, ele dedica a música para o público:

“Essa música é para todo mundo… Foda-se, só cale a boca e escute!”

O recado estava claro. Na primeira estrofe de desabafos, Em fala sobre como as drogas influenciam nas suas composições, o fato de estar sempre irritado naqueles tempos e de saco cheio de estar sempre sendo importunado pelos fãs quando estava nas ruas, seja sozinho ou com a esposa ou com a filha. Não havia paz:

“Eu sento com esse maço de seda e esse pacote de maconha, isso me dá a merda necessária para ser o MC mais perverso desse… desse mundo. Desde que eu nasci, eu fui amaldiçoado com essa maldição para amaldiçoar e extravasar essa fúria e bizarrices que funcionam, vendem e me ajudam por si só a aliviar essa tensão, disparando essas frases tiram esse estresse do meu peito que está me remoendo e eu descanso de novo em paz. Mas ao menos você poderia ter a decência de me deixar em paz, quando vocês, esquisitos, me olham nas ruas quando estou comendo ou alimentando minha filha para não vir falar comigo! Eu não te conheço e não, eu não te devo porra nenhuma! Eu não sou o Sr. N’Sync, eu não sou o que seus amigos pensam, eu não sou o Sr. Amigável, eu posso ser um idiota se você me testar, meu tanque está vazio. Não tenho mais paciência e se me ofender eu te levanto três metros no ar! Eu não ligo para quem estava lá e me viu te bater! Vai, chame um advogado, arquive o processo, eu vou sorrir no tribunal e te comprar um guarda-roupa! Eu estou cansado de todos vocês, eu não quero ser mau, mas é tudo o que eu posso ser, estou sendo apenas eu mesmo!”

O interessante desse verso é que em inglês, Em fala “and i rest again peacefully”, mudando a frase “reast in peace” (RIP) para, literalmente, “eu rap”. Ou seja, tudo o que ele faz é fazer rap, é a terapia dele, o que ajuda a relaxar e tirar o peso e as coisas ruins para fora. Rimar e extravasar isso muitas vezes (ou a maioria) é somente xingar e ofender nas letras porque isso não tem peso algum, ou ao menos não deveria ter.

No site Genius, Em também escreveu sobre “comprar um guarda-roupa” para quem o processa:

“Toda vez que tive um processo judicial depois de escrever essa linha, me perguntam se eu já providenciei o guarda-roupa para os meus advogados…”

No refrão, um recado igualmente potente:

And I am whatever you say I am

If I wasn’t, then why would I say I am?

In the paper, the news, every day I am

Radio won’t even play my jam

’Cause I am whatever you say I am

If I wasn’t, then why would I say I am?

In the paper, the news, every day I am

I don’t know, that’s just the way I AM

(E eu sou, tudo o que você disser eu sou; se eu não fosse, então por que eu diria que sou? No jornal, nas notícias, eu sou todos os dias; o radio nem toca minhas músicas; eu não sei, isso é só o jeito que eu sou)

Além de fazer uma homenagem para Rakim, uma de suas inspirações e grandes MCs da história do hip-hop (“I’m the R to the A to the K-I-M, and if i wasn’t, then why would i say i am?” — As The Rhyme Goes On), Em joga o jogo da mídia e dos críticos: ele é tudo o que eles falam, ele não vai falar. Se ele não for, por que ele diria que é? Em estava nas notícias e nos jornais por toda a controvérsia que causava e suas músicas eram censuradas da rádio pelos palavrões e rimas polêmicas. Se ele é todas essas coisas ruins que as pessoas falam que ele é, ele vai continuar sendo, afinal, esse é o jeito dele e se Em não fosse isso, ele não diria isso, certo?

Eminem não é nada disso, mas se as pessoas acham que ele é, ele vai ser, conforme ele explicou para a Spin:

“É basicamente dizer ‘eu sou tudo o que você disser que eu sou’. Se você acha que eu sou um idiota, então vou ser um idiota. Se você me chama de misógino, então eu sou um misógino. Se você diz que eu odeio gays, então eu odeio gays. As pessoas começaram a me chamar de um monte de merda, então eu só me tornei tudo que elas disseram que eu sou.”

Como escrito pelo próprio Em no livro que tem o mesmo nome da música, a estratégia do álbum era simples: se as pessoas se chocaram com o álbum anterior pelas rimas e o conteúdo, então Em iria dobrar a aposta no álbum seguinte para chocar ainda mais, o que lhe daria maior visibilidade, seja ela positiva ou negativa.

Ele cansou de se explicar e também cansou de quem não consegue interpretar letras ou saber o que é eu-lírico. Ele seria ainda mais radical: ‘se vocês acham que eu sou tudo isso que vocês falam que eu sou, vocês não viram nada. O ‘The Marshall Mathers LP’ vai ser muito, mas muito pior que o ‘The Slim Shady LP’. E eu sou tudo o que vocês disserem que eu sou, foda-se’.

Na segunda estrofe, Em segue respondendo as críticas sobre suas letras e sua pseudo má influência para os jovens, que seriam influenciados pelas letras das músicas a cometer barbaridades tal qual o então recente massacre de Columbine.

O rapper também critica a hipocrisia da mídia e da “América média”, que ignoram os assassinatos diários de negros e pobres nos subúrbios, mas que ficam horrorizados e fazem uma ampla cobertura quando acontece em um local da “alta sociedade” e buscam imediatamente culpados diretos e indiretos. Nesse caso em específico, seriam os jogos de tiro, as letras de rock e artistas como Eminem e Marilyn Manson, por exemplo:

“As vezes eu me sinto igual ao meu pai, eu odeio ser incomodado com toda essa coisa absurda, é constante! E ‘Oh, o conteúdo lírico dele, a música Guilty Conscience teve respostas tão podres’. E todas essas controvérsias me cercam e parece que a mídia imediatamente aponta o dedo pra mim! Então eu aponto o dedo de volta, mas não o indicador ou o mindinho, nem o anelar ou o polegar, é o que você mostra quando está pouco se fudendo, quando você não vai suportar mais as besteiras que eles falam, porque eles falam muita merda também, quando um cara sofre bullying e metralha sua escola, e eles culpam o Marilyn e a heroína! Onde estão os pais? Olha só! ‘América média’, agora é uma tragédia, agora é tão triste de se ver, tudo isso acontecendo numa cidade de classe alta, aí eles atacam o Eminem porque eu faço rap desse jeito! Mas eu estou feliz porque eles me alimentam com o combustível que eu preciso para o fogo queimar, e já está queimando, e eu estou de volta”

Todos sabem que Em nunca conheceu o pai, então quando ele começa a linha sobre se sentir ser incomodado, pode ter várias interpretações. A primeira é que o pai se sentiu incomodado com o próprio filho e vazou fora, então agora que Em está incomodado, ele pode tentar entender o que o pai sentiu, mesmo que ele o odeie, certo?

“Alguém me perguntou em uma outra entrevista: ‘quando você disse que se sente como seu pai, você simplesmente odeia ser incomodado — o que você quis dizer com isso?’ E fiquei sentado lá por um minuto e fiquei tipo: ‘foda-se!’ O que eu quis dizer com isso? Eles quase me fizeram pensar que havia um significado mais profundo. Não, cara, é uma metáfora! Meu pai não queria se incomodar comigo. E eu odeio ser incomodado por tudo.”, disse para Anthony Bozza no livro ‘Whatever You Say I Am’, tirado do refrão dessa própria música.

Nessa segunda estrofe, Em vai cada vez mais fundo em direção aos críticos. Na música ‘Guilty Conscience’, do álbum anterior, Em interpreta o ‘mal’ e Dre o ‘bem’ em situações críticas descritas na música, como “transar ou não sem camisinha com uma menor de idade bêbada”, “roubar uma loja de conveniências” ou “o que fazer se encontrar sua esposa na cama com outro”. As descrições do mal e o final do som foram bastante criticados e censurados, o que causou irritação no rapper.

Diante do pós-Columbine, onde a mídia estava procurando bodes expiatórios, alguns ficaram evidentes: as drogas, jogos de tiro e músicas que “influenciam” negativamente, como as de Marilyn Manson e de Eminem, os mais criticados na época, apesar de ter sido provado que nenhum dos dois atiradores escutavam os dois artistas.

Eminem e Marilyn Manson: outra parceria improvável de dois artistas que eram igualmente atacados pela mídia e “culpados” de tudo o que era ruim nos EUA. Foto: Reprodução/Internet

Marilyn chegou até a participar do clipe e fez participações especiais em alguns shows para cantar essa música, mostrando mais uma aliança impensável entre um rapper branco e um gótico. É uma forma, também, de os artistas se defenderem. Apenas os pais, que educam essas crianças, é que não foram citados, o que mostra o absurdo feito pela mídia e endossada pela opinião pública e vice-versa, não importa.

No clipe, Em é várias vezes filmado em preto e branco no cenário semelhante ao clipe ‘Still Don’t Give Fuck’. ‘The Way I Am’, de certa forma, pode ser uma “continuação” desse clipe, onde a parte onde ele manda o dedo do meio para todo mundo seja também uma manifestação do passado que continua atual, misturando e continuando os conceitos do ‘The Slim Shady LP’ e do ‘The Marshall Mathers LP’.

Como jornalista, é possível fazer paralelos com as coisas que acontecem e aconteceram ao nosso redor, seja na cidade ou no país. A linha da América média horrorizada com a violência em uma escola da alta sociedade me fez lembrar de “Bar Bodega”, do jornalista Carlos Dorneles.

É possível que os estudantes que estejam lendo isso já tenham lido ou ouvido falar, mas para quem não conhece: o livro-reportagem mostra o caso de estudantes de odontologia que foram assassinados durante uma tentativa de assalto no Bar Bodega, em São Paulo, que ficava em um dos bairros mais ricos da cidade, em 1996, e como a imprensa começou uma caça às bruxas para encontrar “os verdadeiros culpados” e como isso dominou o noticiário dos dias seguintes justamente por ter acontecido em um local pertencente a alta sociedade.

A mesma imprensa que ignora os milhares de casos diários semelhantes e/ou piores porque isso não dá audiência ou porque simplesmente os pobres e negros “não importam”, não é notícia.

“Bar Bodega” e o também famoso “Caso da Escola Base” provam o ponto de Eminem: a imprensa faz muita merda também, e ele não precisa ser brasileiro para chegar a essa conclusão, até porque esse é um comportamento global e não apenas local. Um exemplo mais recente: “O caso Richard Jewell”, do Clint Eastwood.

Eminem segue sendo atacado pela forma como faz rap. O que os críticos não entenderam, e o rapper deixa explícito, é que isso vira combustível para ele continuar fazendo mais rimas absurdas e polêmicas porque assim ele vai seguir sendo notícia, dando ainda mais pauta para a imprensa, que lhe dá mais notoriedade, até porque não existe má publicidade. É uma situação até positiva para ambos, e Eminem está pouco se fudendo para as consequências, até porque ele deixa bem claro: eu sou tudo que vocês disserem que eu sou, não é mesmo?

Na terceira estrofe, Eminem atira contra a própria gravadora e a pressão de fazer uma música que fizesse tanto sucesso quanto ‘My Name Is’ fez, além de estar de saco cheio dos estereótipos de suas músicas tocarem em rádios rock & roll porque ele é branco e tem o cabelo loiro, então ele supostamente é um artista pop porque toca na MTV.

Apesar disso ter contribuído bastante para que fãs de classe média não-familiarizados com o hip-hop também o escutassem, o que lhe deu mais vendas, visibilidade e um novo público, Eminem sempre deixou claro que era um artista underground da cultura hip-hop, e não apenas um abutre e aproveitador cultural do qual é acusado até hoje, de ser um novo Elvis e só fazer tanto sucesso porque é branco (o que é relativamente verdade, seja no âmbito do público que passou a escutá-lo, seja nos números de CDs vendidos). Além disso, ele de novo se mostra de saco cheio com a fama repentina que teve e como, apesar de sempre grato com os fãs que ganhou, não gosta de ser abordado em todos os lugares, até quando vai cagar:

“Eu estou tão cansado de ser admirado que eu queria apenas morrer ou ser demitido e sair da minha gravadora, vamos parar com as fábulas: eu não vou conseguir superar ‘My Name Is’! E me rotulam como uma sensação do pop para ficar tocando minhas músicas nessas rádios de rock e eu não tenho mais paciência para lidar com esses caucasianos arrogantes que pensam que eu sou um branquelo tentando ser negro porque eu falo com sotaque e seguro as minhas bolas, então eles sempre perguntam as mesmas perguntas, porra! Que eu escola eu fui, em qual quebrada eu cresci, O porquê, o quem, o quê, O quando, onde e como, até eu arrancar o meu cabelo porque eles estão me deixando louco! Eu não aguento, eu corro, ando, fico de pé e sento! E eu sou agradecido por todos os fãs que eu consegui, mas eu não consigo cagar num banheiro sem alguém ficar me esperando! Não, eu não vou te dar um autógrafo, você pode me chamar de cuzão, eu estou feliz!”

Uma das grandes raivas que Eminem teve e talvez fosse o que ele menos esperava era ser censurado pela própria gravadora. Ele falou sobre isso no “Angry Blonde”:

“Quando escrevi ‘The Way I Am’, eu já tinha terminado o álbum. O problema foi que minha gravadora achou que ainda não tinha um single no projeto. Eles queriam um single, então eu dei a eles ‘The Way I Am’, que era completamente o oposto do que queriam. Eu estava me rebelando contra minha gravadora, informando que eles não poderiam me forçar a fazer algo que eu não queria.”

Quando surgiu, Eminem ainda poderia ser visto com desconfiança. Ele poderia ser mais um branco que usou o hip-hop para fazer sucesso, mesmo que momentâneo, e jogar a credibilidade da cultura no lixo, tal qual fez Vanilla Ice.

No entanto, ele tinha o outro exemplo, os bem-sucedidos e também fonte de inspiração, os Beastie Boys. Naquele ponto, não era fácil que nem hoje apontar que Eminem é de verdade, um rapper que veio do underground e das batalhas e que possui o respeito de seus conterrâneos e ídolos como LL Cool J, Rakim, Ice T, entre outros.

Ele não era apenas um “branco tentando ser negro porque canta rap”, por isso o desconforto em ir em rádios e programas que ele não se identificava nenhum pouco, como as rádios de rock ou algo completamente fora do universo dele, que é o hip-hop. Isso o enlouqueceu e deixou puto, e de certa forma explica porque ele odeia dar entrevistas, como bem frisa Anthony Bozza:

“A verdade é que Eminem não gosta de fazer entrevistas; ele prefere guardar suas mordidas sonoras para a música. Isso não quer dizer que ele tornará a experiência desagradável. Ele é civilizado, charmoso de uma maneira moderada, apaixonado e, se não estiver cansado ou irritado, é muito divertido estar por perto. Ele aprendeu a fazer entrevistas bem ao longo dos anos — provavelmente para fazê-las ir mais rápido, pois acha que elas são inúteis no pior e redundantes no seu melhor. Quanto ao passado histórico e à vida pessoal que ele narra em verso, ele prefere manter os detalhes íntimos em sigilo. ‘Se você ouvir as músicas e não tirar as palavras do contexto’, ele diz, ‘ele dirá por que estou dizendo isso ou por que estou dizendo isso. Talvez na outra música,mais tarde, mas você ouvirá. Se você não ouvir a música inteira, é como assistir ao meio de um filme, desligá-lo e depois falar sobre isso. Apenas ouça a porra das músicas. Se você as ouvir, eles dirão a você. O álbum é como um manual de instruções, e às vezes as entrevistas são como alguém tentando montar algo, mas não sabem como. Leia as instruções! Por que você está me fazendo sentar aqui e contar a você?’”

No final da estrofe, Eminem mostra como ele queria apenas o reconhecimento e um futuro melhor pra ele e sua filha. No entanto, existem os efeitos colaterais: a fama, a superexposição e a supressão da própria liberdade de ir e vir. Em já estava incomodado com o fato de ser um pop star e ser parado em todos os lugares para autógrafos, fotos e tudo mais.

Ele não odeia os fãs, mas assim como em ‘Stan’, espera que eles entendam que o rapper não é somente Slim Shady, o doidão que escreve barbaridades: nas ruas ele é Marshall Mathers, um cara tímido, tranquilo e que deseja apenas curtir um tempo livre com a esposa e a filha. Como o clipe mostra, esse momento talvez tenha sido o início da ruína da vida particular de Marshall em detrimento da expansão de Slim Shady e Eminem. O lado “mais fraco” começava a ceder.

‘The Way I Am’ é uma das melhores composições de Eminem. De forma mais direta e agressiva do que ‘Stan’, Em dá um aviso para todos sobre sua vida e o que ele já está de saco cheio. É Marshall e Eminem juntos, desabafando contra tudo o que o incomodava. Apesar da raiva e do desejo de jogar tudo pra cima, havia ali sim uma “consciência do ofício”, uma forma poética e organizada de jogar seus pensamentos.

Para Wendell de Oliveira Albino, nessa música se observa o exercício da metalinguagem sobre o papel do escritor e o pertencimento do significado das letras após serem publicadas:

“O artista entende que após suas músicas serem lançadas, dependerá unicamente do leitor/ouvinte se responsabilizar em delegar significados e interpretações para suas narrativas. Essa concepção adotada pelo rapper é evidenciada no refrão de ‘The Way I Am’: ‘E eu sou, o que vocês disserem que eu sou / Se eu não fosse, então por que eu diria que sou?’

Vale destacar que esse refrão da música enaltece a desconstrução do império do autor, consequentemente indo ao encontro das palavras do filósofo francês Roland Barthes:

“Um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um mesmo campo todos os traços de que é constituído o escrito. É por isso que é derrisório ouvir condenar a nova escritura em nome de um humanismo que hipocritamente se arvora em campeão dos direitos do leitor.

O leitor, jamais a crítica clássica se ocupou dele; para ela não há outro homem na literatura a não ser o que escreve. Estamos começando a não mais nos deixar engodar por essas espécies de antífrases com as quais a boa sociedade retruca soberbamente a favor daquilo que ela precisamente afasta, ignora, sufoca ou destrói; sabemos que, para devolver à escritura o seu futuro, é preciso inverter o mito: o nascimento do leitor deve pagar-se com a morte do autor. ”

“A consciência do ofício” está presente porque essa música é um dos raros raps que possui um tetrômetro anapéstico, mais conhecido como metro poético. Ela é um medidor poético que possui quatro pés métricos anapésicos por linha. Cada pé possui duas sílabas sem tensão, seguidas por uma sílaba tônica. Às vezes, é chamado de ‘dáctilo reverso’ e compartilha o ritmo rápido e acelerado do dáctilo. Tentando resumir, são as estruturas tetrassílabas, com quatro sílabas poéticas. O ritmo do piano no fundo (da da DUM) exemplifica isso. Em as utilizou em todos os versos, menos no refrão.

Na literatura americana, essa técnica é mais familiar na poesia cômica, como na maioria dos poemas do escritor infantil Dr.Seuss. Nesse caso, Em é irônico ao utilizar um recurso cômico como forma de despejar sua raiva em uma melodia que talvez não seja a mais apropriada, mas chocar e experimentar talvez sejam os seus pontos fortes.

Usada como canção de rebeldia e raiva contra tudo e todos, Eminem sinalizou que talvez jamais conseguisse escrever algo tão chiclete quanto ‘My Name Is’. Mal ele sabia que, logo após escrever ‘The Way I Am’, ele faria um hit maior ainda…

“The Real Slim Shady” é da mesma família de ‘My Name Is’: uma letra com batida pegajosa e divertida, com rimas loucas sobre assuntos sérios e idiotas também.

Em foi inspirado pelo som “Please Stand Up”, do K-Solo, lançado em 1990, onde K-Solo se pergunta: ‘will the real solo please stand up?’ (O Solo verdadeiro vai se levantar?)

Como já contado por aqui, essa música foi composta após Em finalizar o álbum. No entanto, para Jimmy Iovine, “o CD estava espetacular, mas faltava uma música de abertura para o público, um single”. Pressionado e frustrado a fazer algo parecido com ‘My Name Is’, Em foi pelo caminho inverso e lançou ‘The Way I Am’, mostrando que não conseguiria ser forçado a fazer isso. No entanto, dias antes da deadline do álbum, ele conseguiu compor com Dre essa música que, de forma irônica, virou o lead single e maior sucesso comercial do projeto.

Depois de escutar algumas vezes, Eminem achou que a música era muito brega. Mal ele sabia que os fãs justavam gostavam desse humor “brega e cafona”. São o que os números mostram.

Eminem falou mais sobre isso no “Angry Blonde”:

“Eu dizia ao baixista e ao tecladista que tocassem alguma coisa até eu gostar. Então eles continuaram brincando, brincando e brincando até que o Tommy (um dos tecladistas do Dr.Dre) tocou as primeiras notas de ‘The Real Slim Shady’. Eu pulei e disse: ‘o que é isso?’ Então pedi para que fizessem algo diferente, tipo subir e descer. Ele fez algumas coisas até que eu fiquei tipo ‘bem aqui’. Então eu corri e convenci Dre a escutar. Eles adicionaram o som da bateria e…”

Na abertura, como se fosse uma recepcionista em um hospital, Em pergunta onde está Slim Shady, chamando a atenção para que ele apareça para se explicar, como se fosse uma deixa em um show de humor. Isso também serve como lembrança do hit anterior, ‘My Name Is’, onde ele pede a atenção da turma por um segundo:

“Posso ter a sua atenção, por favor? O verdadeiro Slim Shady pode se levantar? Eu repito: o verdadeiro Slim Shady pode se levantar, por favor? Nós vamos ter problemas por aqui…”

A parte do verdadeiro Slim Shady se levantar é uma referência a um antigo programa de TV americano “To Tell The Truth” (Fale a Verdade, em tradução literal), onde várias pessoas fingem ser personagens interessantes. No final, o apresentador pergunta: “o verdadeiro nome do personagem poderia se levantar, por favor?”, sendo este o vencedor.

No clipe, a recepcionista chama Slim Shady porque ele está com problemas, como se precisasse se explicar ou ser examinado. No entanto, todos levantam e dizem ser Slim Shady. Isso também é uma ironia de Eminem, apontando que todo mundo quer ser igual a ele no sentido de ser “selvagem” e falar o que pensa, mas só ele tem essa coragem. No final, a recepcionista lamenta, dizendo que vão ter problemas em encontrar o verdadeiro Slim Shady…

Na primeira estrofe, Em/Slim escreve que as pessoas estavam chocadas com as rimas deles como se nunca tivessem visto um cara branco aparecer assim, além de outras insanidades divertidas e polêmicas, como por exemplo “Todos estão de queixo caído igual a Pam quando o Tommy entrou com tudo pela porta e começou a bater na bunda dela pior do que nunca. Eles primeiro se divorciaram, jogando ela sobre os móveis”.

Em utiliza de uma metáfora polêmica sobre os problemas de violência doméstica entre o então casal Pamela Anderson e Tommy Lee para mostrar que as pessoas ficam chocadas e surpresas com o que ele escreve como se o rapper tivesse sido o pioneiro nas letras chocantes de horrorcore e outras polêmicas. Anos depois, no Genius, Em escreveu o porquê de fazer essa analogia:

“Eu escrevi essa linha porque eu tinha recentemente instalado um piso de pele de tubarão na minha casa. Portanto… maxilares (jaws, ou então queixo).”

Na sequência, ele diz que, através dessa música, “é o retorno do ‘Ah, espera, não é possível, não brinca, ele não disse isso que eu pensei, disse?”. Além de ser uma homenagem para ‘The Return Of The G’, do OutKast, também está sinalizando o retorno de Slim Shady que, através de frases de estupro, incesto e outras barbaridades, sintetizam o alter-ego de Eminem, que no fim é a mesma coisa para as pessoas.

“E o Dr. Dre… nada, seus idiotas! Ele está morto, trancado no meu porão!”. Ao dizer isso, Em sinaliza para os detratores que nem mesmo Dr. Dre, que foi a consciência boa na ‘Guilty Conscience’ ou o seu médico, o mentor, o cara mais velho que lhe dá conselhos sábios, nem ele irá impedir de continuar falando barbaridades porque Slim o matou, ele está morto no porão. É por isso também que Em usa piso de pele de tubarão, para tirar o odor e, assim, não levantar suspeitas, conforme escreveu depois no Genius.

Em ainda dá uma alfinetada nas feministas:

“Mulheres feministas amam Eminem chicka-chicka-chicka Slim Shady, ‘eu estou cansado dele, olhe pra ele, andando por aí, pegando no você-sabe-o-quê e mostrando você-sabe-o-quê, mas ele é tão fofo’”.

Slim de forma irônica, diz que no fundo as detratoras acham ele lindo e atraente, mesmo ele falando palhaçadas e absurdos. No fundo, ele diz que a hipocrisia reina porque os valores do entretenimento sempre superam a convicção moral no final das contas. Se Em diz que ele é o que as pessoas dizem que ele é, é no mínimo estranho que um misógino homofóbico tenha tanto espaço na mídia. Será que é por que ele é “bonitinho” e branco?

Em fala que seu alter-ego tem parafusos soltos mas ele não fala nada tão absurdo quanto o que acontece no quarto dos pais das crianças que o escutam, denunciando como ele é censurado e outros tabus, como o sexo, são mantidos, bem como a música dele é censurada sendo que existem outras coisas tão “absurdas” quanto expostas para as crianças na TV aberta, como por exemplo mortes, sexo e corrupção nas novelas, mas aparentemente ninguém liga pra isso. Ao mesmo tempo, ele ironiza a mídia, que sexualiza quase tudo e ainda assim ficam surpresas quando crianças já sabem o que significa clitóris. Em não pode falar disso na TV, mas eles mostram Tom Green transando com um alce morto, por exemplo.

Ao mesmo tempo, Em continua mostrando a hipocrisia de quem critica seus palavrões e temas obscuros com a constante sexualização da música através de clipes e shows. Além do mais, como ele mesmo diz, as crianças não aprendem sobre sexo assistindo ao Discovery Channel. Nas escolas, esse universo de palavrões e sexo está exposto as crianças há muito tempo, então naturalmente eles aprendem isso das ruas, sites, revistas e conversas por aí, não só porque Eminem fala sobre. Um tapa na cara da hipocrisia.

Eminem, constantemente chamado de preconceituoso e homofóbico, fez uma linha irreverente sobre os direitos dos gays:

“Mas se transamos com animais mortos e antílopes, então não tem motivo para um homem não poder transar com outro homem!”

Se as pessoas acham Tom Green revirando e transando com um alce morto como algo engraçado, então não faz sentido acharem que o casamento gay é algo nojento. É sempre bom lembrar que esse assunto era abordado de forma completamente diferente do que em relação aos dias atuais, afinal, estamos voltando 20 anos no tempo. No fundo, Ken Kaniff, o personagem gay de Eminem, faz um barulho de nojo para o casamento gay, o que deixa tudo mais irreverente. Parece que ele e Slim que acabaram escrevendo essa música, ou ao menos essa parte.

No fim da primeira estrofe, Em chama todos aqueles que estão de saco cheio dessa hipocrisia: ele tem o antídoto: “mulheres, abanem suas calcinhas e cantem o refrão!”, que é mais ou menos assim:

I’m Slim Shady, yes I’m the real Shady

All you other Slim Shadys are just imitating

So won’t the real Slim Shady please stand up

Please stand up, please stand up?

’Cause I’m Slim Shady, yes I’m the real Shady

All you other Slim Shadys are just imitating

So won’t the real Slim Shady please stand up

Please stand up, please stand up?

(Eu sou Slim Shady, sim eu sou o real Shady; Todos vocês, outros Slim Shady, são apenas imitações/ Então, por favor, por que o verdadeiro Slim Shady não se levanta, não se levanta, não se levanta?)

Ainda levando em consideração o programa “To Tell The Truth”, Em revela que ele mesmo é o verdadeiro Slim Shady, o resto são imitações, tanto na forma de tentar rimar quanto no visual. Como ele começou a bombar naquela época, todo mundo, especialmente os adolescentes, tentavam copiar o visual do rapper: cabelo loiro, camisa branca e calça jeans. No clipe, são mostrados esses diversos clones e, até hoje, vários fãs vão para os seus shows nesse visual. Eu mesmo vi vários desses quando Eminem esteve no Lollapalooza, em São Paulo, em 2016.

Eminem e seus “clones”: apresentação histórica no VMA 2000. Foto: Reprodução/MTV

Na segunda estrofe, Em parte para o ataque contra as celebridades:

“Will Smith não fala palavrões nos seus raps para vender CDs, mas eu falo, então foda-se ele e você também! Vocês acham que eu ligo para o Grammy? Metade de vocês críticos não me suportam, muito menos me apóiam! ‘Mas Slim, se você ganhar, não vai ser estranho?’ Por quê? Pra vocês mentirem pra mim apenas para eu sentar aqui? Então eu posso sentar do lado da Britney Spears? Merda, é melhor eu trocar de cadeira com a Christina Aguilera, assim eu posso sentar perto do Fred Durst e do Carson Daly, e ouvir eles discutirem sobre pra quem ela deu primeiro! Vadiazinha me deixou louco na MTV! ‘Sim, ele é fofo, mas acho que ele é casado com a Kim, hihi!’ Eu deveria baixar o áudio dela em MP3 e mostrar para o mundo como ela tem uma doença venérea do Eminem! Eu estou cansado de seus grupinhos de boy e girl bands, tudo o que vocês fazem é me irritar, então eu estou aqui para destruir vocês! E existem milhões de pessoas como eu, que falam palavrão que nem eu, que estão pouco se fudendo igual eu, que se vestem que nem eu, caminham, falam e agem como eu e talvez eles podem fazer sucesso, mas não são nem de perto como eu!”

Começando pelo início: Em respondeu Will Smith porque o então rapper, ao ganhar de Slim o VMA de melhor vídeo masculino em 1999 com ‘Miami’, meio que o ironizou:

“Eu nunca matei ninguém nas minhas músicas. Eu nunca usei palavrões nos meus CDs e ainda assim consegui subir aqui.”

“Eu respeitava Will Smith, mas agora ele desrespeitou todo um estilo de rap. Ele desrespeitou o gangsta rap. E essa é uma das músicas que mais influenciam por aí. Eu o respeito por dizer sua opinião, mas nem todo mundo é feliz igual ao Will Smith. Nem todo mundo vê a vida tão feliz e positiva quanto ele.”, respondeu.

Jazzy Jeff, DJ de Will Smith, deu mais detalhes sobre como essa “tretinha começou”: Em estava no estúdio com ele tocou a versão dele de ‘Just The Two Of Us’. Will ouviu e disse: “ou você vai ser o maior fracasso ou será a maior coisa que já vimos”. Em já não estava muito feliz, e com isso, sentiu a necessidade de não só responder o gênero que seu mentor Dr. Dre ajudou a criar e popularizar, mas também de defender a si mesmo. A briga não foi adiante.

O então rapper Will Smith com o “astronauta” no VMA 1999: ele teria ironizado os raps violentos cheios de palavrões que Eminem fazia. Foto: Getty Images

A comunidade hip-hop costuma boicotar o Grammy porque o Grammy boicota eles. Até hoje, pouquíssimas vezes o gênero foi agraciado com o prêmio principal da noite, o Álbum do Ano: somente Lauryn Hill e o OutKast foram os felizardos, embora não falte clássicos do gênero sendo produzidos quase que anualmente. Eminem não entrou para o rap pelos troféus, e sim pelo reconhecimento. Ele falou sobre isso no “The Way I Am”:

“Eu nunca fui um fã de shows de premiações. Eu não entrei no rap por troféus. Os troféus que eu queria não estavam esculpidos na forma de um homenzinho. Eu só queria o respeito, entende?

No primeiro ano que foi nomeado ao Grammy, eu não fui a cerimônia. Havia essa separação de categorias entre Melhor Álbum e Melhor Álbum de Rap, que eu nunca consegui entender. Por que não apenas Melhor Álbum? Por que separar o rap? Eu acabei ganhando dois Grammys naquele ano, mas ainda não fazia sentido para mim. Naquela época a fama era ainda algo novo, e eu pensava ‘quem vota nisso? Eu não vou nessa merda. Prefiro ir a MTV ou BET e ganhar um prêmio lá — porque ai vem dos fãs que votam e compram os álbuns’. Finalmente eu fui em 2001, até porque ia ser muito ridículo continuar ganhando e nunca aparecer lá. Tipo, o quanto idiota eu posso ser? Até um certo ponto eu tenho que respeitar as pessoas da indústria que me respeitam a mim e o meu trabalho. Hora de crescer, Marshall.”

Bem, Eminem não pensa mais assim, mas isso é para outro texto…

Sobre Christina Aguilera: depois do VMA 2000, o então amigo Fred Durst cantou uma música com ela e sem o resto da banda, sendo criticado pelo colega Carson Daly. Os dois insinuaram que teriam ficado com Christina, que negou tudo aquilo que foi descrito nesse verso.

O motivo de Em atacá-la foi que a cantora, durante um programa da MTV, disse que ele era bonitinho e gostava da música dele, mas ela soube que ele e Kim estava voltando a ter um relacionamento. Ela então pegou a letra de “97 Bonnie & Clyde” para alertar as mulheres sobre como a violência física num relacionamento é errada. Eminem ficou puto com ela por trazer algo pessoal para o público e, como vingança, acabou espalhando esses boatos sobre Christina. Ele disse:

“Eu só estava tentando não tornar isso público. Isso são questões pessoais. Tipo, se são questões pessoais, eu vou contar para as pessoas aquilo que eu quero que elas saibam. Então legal, tanto faz, mas você disse algo sobre mim, então eu vou falar sobre alguns rumores que eu ouvi sobre você.”

Eminem e Christina Aguilera: rixa entre eles gerou um momento constrangedor, quando a cantora entregou para o rapper o prêmio de “Vídeo do Ano” no VMA 2002. Foto: Getty Images

No final da estrofe, Em, uma celebridade em ascensão, reitera o quão grande está ficando, pois existem milhares de pessoas igual a ele, seja na forma de agir, falar, caminhar e se vestir, mas ele mesmo reiteira: ele é o verdadeiro porque tem coragem de falar e agir. Aí fica clara a ideia dos “clones”, pois existiam nas ruas milhares de “Eminems”, encorajados pelo próprio a agir pouco se fudendo, ao mesmo tempo onde ele se gaba, mas avisa que é intocável.

Na terceira estrofe, Eminem apenas se gaba de suas habilidades líricas e como ele tem a coragem e capacidade de falar sobre as coisas mais absurdas. Isso se tornou uma vantagem para ele e também ajudou a explicar o porquê de ter vendido tantos CDs e ter virado uma febre tão instantânea naquela época. Além do mais, ele nos convence que podem existir milhares de Slim Shadys em qualquer lugar, e que ninguém deve se envergonhar de ser quem realmente é:

“Eu sou uma viagem louca para sua cabeça ouvir porque eu estou te falando coisas que você brinca com seus amigos na sala de estar, a única diferença é que eu tenho bolas pra dizer isso na frente de todo mundo. Eu não tenho que ser falso ou adoçar nada, eu só pego o microfone rimo, e você pode admitir que eu rimo melhor que 90% desses rappers que estão por aí, daí você se pergunta: ‘como as crianças comem esses CDs como se fossem valiums?’ É engraçado, porque quando eu tiver 30 anos, vou ser o único no lar de idosos flertando com a enfermeira e beliscando a bunda dela enquanto me masturbo com Jergens e eu estou batendo, mas esse saco de Viagra não está funcionando! E cada pessoa é um Slim Shady à espreita, ele poderia estar trabalhando no Burger King cuspindo nos seus anéis de cebola ou no estacionamento andando em círculos gritando ‘eu estou pouco me fudendo’ com a janela baixa e o som no máximo! Então poderia o verdadeiro Slim Shady se levantar e mostrar um de seus dedos de cada mão? E esteja orgulhoso de estar fora da mente e fora de controle e mais uma vez, o mais alto que puder, como é que é?”

Eminem na época era a personificação da diferença entre o pensar e o falar. Ele é um dos raros casos de quem faz as duas coisas sem se importar com as consequências. Sobre sua filosofia lírica, ele disse para a ‘Spin’:

“Se estiver em sua mente, diga. Se você está doente o bastante para pensar, então você está doente o bastante para dizer. Eu não acho que exista um limite entre o que eu deveria ou não falar — especialmente se isso rimar bem. Eu tenho muitas bolas. Eu acho, porque eu falo muita merda.”

Eminem também atira nos detratores que afirmavam que seu único mérito eram as letras chocantes, que ele era apenas um rapper branco que falava sobre drogas, matar a esposa e mulheres em geral. Em prova que não é isso, que pode rimar sobre o que quiser, e mesmo que rime apenas sobre “falar merda”, ele é superior a maioria da indústria porque as pessoas vão estar caladas e sem saber qual é a próxima linha polêmica que ele vai lançar.

E é por isso que as pessoas, principalmente os jovens, consomem suas CDs como se fossem drogas tipo o Valium, que está desenhado na arte do CD do ‘The Slim Shady LP’: tal qual uma droga, a música de Eminem serve para os seus ouvintes como um escape da realidade cruel do mundo e seus difíceis dilemas.

Eminem seria tão consumido pelos jovens quanto o Valium: ilustração do CD ‘The Slim Shady LP’. Foto: Reprodução/Aftermath/Interscope/Shady Records

Apesar dele ser o verdadeiro Slim Shady, há diversas cópias espalhadas por todos os lugares: ele pode ser o cara que cospe na sua comida, que anda com música alta na caixa de som no meio da madrugada, o cara que aposta corrida no meio da avenida, o maluco que não respeita a quarentena e transmite coronavírus para todo mundo — todo mundo é um potencial Slim Shady. Por mais que adorem criticá-lo, todo mundo tem ou vai ter uma atitude “Slim Shady”, uma atitude “Joselito Sem Noção”.

No final das contas, se você não é uma pessoa que faz o que a sociedade lhe obriga — ter uma vida normal, trabalhar das 9 às 17h, namorar, casar com alguém e construir uma família, não há problema. Não é errado ser diferente, mesmo que seja um filho indesejado de Deus…

No final da música, Eminem fala: “Haha, eu acho que existe um Slim Shady em todos nós. Foda-se, vamos todos levantar!”

Por mais que critiquem, todos nós temos um lado estranho, maluco e bem engraçado que gostamos (ou não) de mostrar para os nossos amigos, bêbados ou não.

“The Real Slim Shady” é quase uma música motivacional do tipo: “desperte seu lado mais idiota e selvagem sem medo, não adianta esconder! Está tudo bem! Se você é assim, então seja!”. Claro que ninguém vai chegar aos pés, mas a mensagem é simples: todos nós temos esse lado “babaca” irreverente, que às vezes perde a mão e faz uma besteira, e está tudo bem. Estranho é se não tivesse, se fosse alguém sempre contido e perfeito. Isso seria um caminho para a infelicidade.

Um dos momentos icônicos da carreira do Eminem foi quando ele performou essa música ao vivo durante o VMA de 2000, junto com “The Way I Am”. Ele entrando no palco com uma tropa de clones é até hoje lembrado pelos fãs e pela cultura pop em geral. Em falou sobre isso no “The Way I Am”:

“Eu não consigo descrever o quanto estava nervoso com aquela performance. Quando eu vi todos aqueles caras vestidos como eu entrando na Radio City Hall, estava tentando me manter calmo, manter a compostura, mas por pelo menos 30 segundos os nervos tomaram conta. Recentemente, eu assisti o DVD daquela apresentação e é visível o quanto eu estava tenso. Performances ao vivo são uma coisa engraçada: se você fizer merda, você fez merda na frente de milhões de pessoas e você não tem a chance de voltar atrás para consertar. Aquele foi um dos momentos que pensei; ‘Ei, eu consegui vencer com o rap. Eu sou um rapper grande, fazendo rap em um evento importante!’ Aquela é uma maneira de ir a uma premiação, se você quer saber; entrar com cem caras que se vestem e se parecem como você, e esperançosamente lutam como você. Não foi preciso, é claro, mas ainda assim… Eu espero que eles tenham conseguido uma garota naquela noite. A resposta que recebi depois daquele show foi louca. Eu acho que ajudou as pessoas a perceberem que eu estava aqui para ficar e não estava de brincadeira.”

Depois de sair Marshall/Eminem, Slim chegou com tudo com uma música um pouco mais alegre e engraçada, mas igualmente polêmica. Slim continua para a faixa seguinte, indo para o horrorcore e violência cartunesca que muitos ainda não tinham digerido totalmente no projeto anterior.

“Remember Me?”, a faixa seguinte, tem o nome bem apropriado: apesar de Eminem estourar o mainstream, essa é uma faixa underground, mostrando a integridade do projeto e como Slim se relaciona com o hip-hop. A grande maioria das pessoas sequer conhecia os rappers que participaram desse som: RBX (que participou do The Chronic do Dre) e Sticky Fingaz (membro do grupo Onyx).

O refrão da música é muito parecido com o “Get At Me Dog” do DMX, lançado dois anos antes.

Cada artista canta um refrão, que faz referência com outras ad-libs de sucesso de cada um. O primeiro é RBX:

Remember me? Seven executions

Remember me? I have no remorse

Remember me? I’m high-powered

Remember me? I drop bombs, like Hiroshima

(Lembra de mim? Sete execuções; Eu não tenho remorso; Eu tenho alta potência; Eu jogo bombas, igual Hiroshima)

O refrão do RBX faz sample de suas músicas “A.W.O.L.” e “High Powered”.

Nessa música, basicamente é cada um tentando competir para ver quem faz o verso mais insano, repleto de violências e metáforas típicas do horrorcore. Chega o refrão do Sticky Fingaz:

Remember me? Throw ya gunz in the air!

Remember me? Slam! Slam!

Remember me? Nigga, bacdafucup!

Remember me? Chka-chka-Onyx!

(Lembra de mim? Jogue suas armas para o alto; Slam! Slam!; Nego, recua!; Onyx!

As referências de Sticky Fingaz são os maiores hits do Onyx, grupo que ele fez parte. Estes sucessos são, respectivamente, “Throw Ya Gunz”, “Slam” e “Bacdafucup”.

Originalmente, esse verso do Fingaz era para fazer parte do álbum “2001”, do Dr. Dre. No entanto, diante da insistência de Eminem e do próprio, esse verso veio parar no álbum de Em.

“Primeiro Eminem me falou, tipo ‘aí mano, eu demorei dois meses pra escrever um verso pra vir depois desse verso’. Eu fiquei tipo ‘ah beleza, sai daqui, para de ficar me enchendo, nego’. Eu pensei que ele só estava falando merda porque ele é um grande piadista. Aí Dre veio atrás de mim umas duas semanas depois, tipo ‘yo Sticky, você sabe que o Em demorou dois meses pra escrever esse verso, tá ligado?’ Foi quando eu acreditei nele. Eu estava tipo ‘cê jura?’ Então tá de boa. Uma vez eu ouvi o Eminem falando que eu era um de seus rappers favoritos. Ele é definitivamente um dos meus rappers favoritos.”

Chegou então, a vez do refrão e do verso de Eminem:

Remember me? I just don’t give a fuck!

Remember me? Yeah, fuck you too!

Remember me? I’m low down and I’m shifty!

Remember me? I’m Shady!

(Lembra de mim? Eu estou pouco me fudendo! Yeah, foda-se você também! Eu sou abatido e louco! Eu sou Shady!)

Em usa frases de quatro músicas para o refrão: “Just Don’t Give a Fuck”, “Still Don’t Give a Fuck”, “Low Down, Dirty” e “I’m Shady”.

Como Sticky Fingaz disse, Em levou dois meses para fazer um verso que acompanhasse o seu para a sequência da música. Ele deu mais detalhes:

“Eu escrevi meu verso em um dia. O rapper comum teria desistido ou trocaria a ordem dos versos, me deixando por último, mas Eminem tem talento, então ele ficou muito tempo trabalhando para fazer um verso bom.”

Vale chamar a atenção para o início do verso:

“Quando eu sair, eu vou sair atirando. Isso não é quando eu morrer, quer dizer quando eu vou pra balada, idiota! Eu estou tentando limpar a porra da minha imagem, então eu prometi pra porra dos críticos que eu não vou falar ‘porra’ pelos próximos seis minutos! (seis minutos, Shady, começou!)”

O mais interessante desse verso é que, no inglês, Em prometeu não usar a construção ‘fuckin’ pelos próximos seis minutos. Apesar de falar ‘fuck’ logo na sequência, ele incrivelmente cumpre a promessa! Depois que começa a “contagem regressiva”, essa música tem mais 50 segundos. A música seguinte, ‘I’m Back’, tem 5 minutos e 10 segundos, totalizando os seis minutos sem falar a palavra ‘fuckin’ e, portanto, cumprindo a promessa! É esse tipo de brilho insano e obscuro que caracteriza Eminem como um dos grandes do ofício.

Na parte dos “six minutes, Slim Shady, you’re on!”, Em faz referência a música The Show, do Doug E. Fresh.

Nesse verso, onde Slim Shady está mais louco do que nunca e tem um tom de voz muito semelhante ao do álbum anterior, ele está tão equivocado que joga a culpa em Kim pelo fato de ter ficado loiro, por exemplo (Em chegou a esse visual depois de estar chapado de ecstasy). “Talvez eu esteja errado, eu continuo pensando nessas coisas malucas”. Em continua também ironizando a mãe, que o processou depois das frases em My Name Is, onde ele dessa vez pergunta, em tom irônico, se “é verdade que ela ficava tão chapada quanto você dizia que ela ficava?”.

O resto do verso é horrorcore puro, reverenciando o massacre de Columbine e críticas para o então presidente Bill Clinton. A construção do verso é tão melódica quanto a de Fingaz, isso é inegável, mostrando como um rapper igual Eminem é capaz de ser tão competitivo para tentar no mínimo equiparar na qualidade dos versos em relação aos seus ídolos. Ele está provando que veio para ficar, que não é apenas uma sensação pop, e sim um cara que tem muito respeito e envolvimento com o hip-hop.

No final, Em não pergunta mais se as pessoas lembram dele, e sim ele grita: ‘vocês vão lembrar de mim, querendo ou não! Estou só começando! Eu sou Slim Shady!’

E isso também serve de introdução para a música seguinte, onde Slim Shady diz que está de volta mas, convenhamos, ele já está há um bom tempo no comando do álbum.

A diferença é que agora não existe divisão, essa música sim mostra Slim Shady 100% de volta, por isso “I’m Back”: ele está de volta para mais barbaridades. Esse foi o último single oficial do projeto.

A música já começa pelo refrão:

That’s why they call me Slim Shady (I’m back)

I’m back (I’m back), I’m back

(É por isso que eles me chamam de Slim Shady — eu estou de volta!)

Slim Shady é o cara que fala as coisas malucas, polêmicas e obscuras. De certa forma, isso já retorna para o primeiro single do Eminem, onde ficou na cabeça de todo mundo o “Hi, my name is Slim Shady”, então as pessoas já estão meio familiarizadas com o alter-ego do rapper.

Na primeira estrofe, é interessante notar como Em e Slim se misturam ao longo do eu-lírico. Por exemplo, Slim diz que não pode ser desafiado por ninguém, ao mesmo tempo que diz que sofreu bullying na infância (Eminem — fato real) até o dia em que decapitou um gato e colocou a cabeça na caixa de correio da casa dessa criança (Slim — fato ‘irreal’). Como já fez em outras canções, Em reclama das consequências do seu sucesso enquanto artista:

“Antes eu estava pouco me fudendo, agora eu não poderia ligar menos ainda. O que eu acho do sucesso? É uma merda, muita imprensa, eu fico estressado, cessado, deprimido, chateado, eu acho que eu deveria explodir rápido (sim), crescer rápido (não), fui criado certo”

Em reescreve uma rima que fez na “Open Mic”, lá do Infinite, quando ele diz que “It’s amazing task to battle with a success/ i never gave a fuck, now i give a fuck less” (É incrível lutar com o sucesso/ Eu nunca dei a mínima, agora eu dou menos a mínima). Ou seja, ele já deu a mínima, agora ele não está mais. Como consequência do sucesso, Em enquanto persona nunca gostou de ser uma celebridade e estar rodeado de fãs, paparazzi e imprensa o enchendo o saco toda hora sobre tudo. Ele também cita uma linha interessante:

Became a commodity ’cause I’m W-H-I-

T-E, ’cause MTV was so friendly

To me,

(“Virei uma commodity porque eu sou B-R-A-N-C-O, porque a MTV é muito amigável comigo”)

Em sabe que a maior parte do sucesso que ele faz e o público que o consome são de brancos porque ele é justamente um, por isso ele vira atração na MTV como o “novo cara branco do hip-hop”, como se fosse um símbolo. Mesmo que ele não queira, ele se beneficia de sua cor em um universo tão racista e, aos poucos, ele começaria a refletir sobre o impacto, efeitos e consequências na sua carreira enquanto artista (números, respeito, críticas, etc). Além disso, ao soletrar W-H-I-T-E, ele segue homenageando Rakim, um de seus ídolos.

Na segunda estrofe, ele segue ironizando aqueles que o acusam de influenciar negativamente através de suas letras, ainda mais sendo Slim Shady:

“Eu pego cada cabeça degenerada e a alcanço só pra ver se eles são influenciados por mim, se ele ouve música e se ele se alimenta dessa merda, ele é uma vítima inocente e vira um fantoche no cadarço do meu tênis”.

Ou seja, de forma irônica, Eminem assume que controla as crianças que o escutem como se fossem ventríloquos, pois é assim que ele visto pelos seus detratores — gatekeepers da mídia, opinião pública e os pais dessas crianças. Ao mesmo tempo, Em mostra como essa teoria é ridícula, porque se ele realmente influenciasse negativamente a juventude ele controlaria a cabeça de todos, não apenas os dos mais fracos e degenerados.

Slim lembra do hit anterior, que o apresentou ao mundo, e diz que ele já era maluco antes mesmo do rádio censurar as músicas dele, mostrando que, ao contrário do senso comum dos artistas que mudam para tocarem nas rádios, ele não “se vende”. Ele mostra que é tão maluco que nessa música ele começa uma série de implicações com o então cadeirante Christopher Reeves, o eterno Super Homem:

“’Slim, pelo amor de Deus, abaixe as pernas do Christopher Reeves!’, Jesus, vocês são tão sensíveis! ‘Slim, é um assunto delicado de tocar, tente e por favor não fale sobre isso’”.

O mais irônico dessa linha é o fato de ser difícil de tocar, pois Reeves era paraplégico. Slim diz que está tão louco que fuma maconha e usa cocaína ao mesmo tempo, o que explica seu comportamento doentio e esquizofrênico.

Na terceira estrofe é que estão as linhas mais fortes, a começar pelo início mesmo. Mais uma vez, Em/Slim fazem referência a Columbine, mas as palavras “crianças” e “Columbine” foram censuradas da música:

“Pego sete crianças de Columbine, faço uma fila com elas, pego uma AK-47, um revólver, uma nine, uma MAC-11 e isso deve resolver o meu problema. Essa é uma escola inteira de valentões baleados de uma vez”

Ao misturar fantasia e ficção, Em sofreu bullying por vários anos enquanto esteve na escola, fato já documentado na música “Brain Damage”. Slim Shady diz entender o massacre justamente porque Em já sofreu isso, então é “natural” essa busca por vingança, ao menos na mente deturpada de Slim. A construção da rima é mais uma homenagem a Rakim (“My Melody”), compare a de Em com a original:

I take seven {kids} from {Columbine}, stand ’em all in line

Add an AK-47, a revolver, a 9

A MAC-11 and it oughta solve the problem of mine

And that’s a whole school of bullies shot up all at one time

I take 7 emcees put ’em in a line

And add 7 more brothers who think they can rhyme

Well, it’ll take 7 more before I go for mine

Now that’s 21 emcees ate up at the same time

Em falou sobre a censura no livro “Angry Blonde”:

“Estavam me falando um monte de merda sobre a referência de Columbine em ‘I’m Back’, e a gravadora me disse que eu não poderia falar isso. Pra mim, a coisa toda era: qual o grande problema, porra? Essas merdas acontecem o tempo todo. Porque esse assunto é tão delicado se compararmos, por exemplo, a um garoto de quatro anos se afogando? Por que isso não é considerado uma grande tragédia? As pessoas morrem na cidade toda hora. Pessoas são baleadas, esfaqueadas, estupradas, assaltadas, mortas e todo esse tipo de merda. Que porra é essa onde Columbine se separa de todas as outras tragédias desse país?”

O CD foi lançado um pouco mais de um ano depois do massacre, que ainda estava muito viva na memória e na sociedade americana. Como já foi escrito antes, a sede por encontrar culpados era muito grande e, como escreveu Eminem, agora para o “americano médio” isso era uma grande tragédia, algo muito triste, como se algo pior não acontecesse diariamente nas ruas e periferias do país.

Só um maluco degenerado igual Shady poderia ser capaz de falar e escrever isso. Nessa estrofe, ele também dispara contra as celebridades da época. Apesar de Eminem ter se tornado indiretamente um pop-star tão grande quanto aqueles que ele odeia, ele faz de questão de se mostrar que nunca será igual a eles:

“NSYNC, por que eles cantam? Eu sou o único que percebe que eles fedem? Eu deveria pintar meu cabelo de rosa e me importar com o que todo mundo pensa, dublar músicas e comprar um par de brincos gigantes? É por isso que eu bloqueio quando ouço coisas, porque todos essas fãs gritando estão fazendo minha orelha doer! Então eu levanto o dedo do meio e deixo ele mais tempo do que o boato de que eu estava com a Christina”

Mais uma vez, Slim/Eminem reclama dos efeitos da fama. Ironicamente, o comportamento dos seus fãs eram iguais aos dos fãs de pop: muita gritaria e histeria. Eminem não gosta de chamar a atenção nas ruas e na vida particular, apenas no rap. Por fim, pra fechar com chave de ouro, uma das rimas mais nojentas da carreira em todos os sentidos:

“Porque se eu pudesse ficar com qualquer cantora no showbiz seria a Jennifer Lopez e, Puffy, você sabe disso, mas eu estaria pouco me fudendo se essa garota fosse a minha própria mãe, eu transaria sem camisinha, gozaria dentro dela , teria um filho e um irmão ao mesmo tempo e diria que não é meu — Qual é o meu nome?”

O mais irônico disso tudo é que Eminem tem a guarda legal do meio-irmão Nathan. Meio-irmão, meio-filho. Na época, J.Lo estava saindo com Puff Daddy.

No final da música, Em usa a frase “guess who’s back” (“Adivinha quem está de volta?”), que a partir de então o acompanharia na introdução de inúmeras músicas posteriores na carreira.

O mais incrível é que essas frases, por mais doentias que sejam, conseguem ser engraçadas ao mesmo tempo. Só Slim Shady é capaz de fazer isso, esse é o nome dele. É por isso que ele pediu para que ninguém esquecesse dele. Agora, com essas e outras barbaridades, ele sempre será lembrado, e por vários motivos.

Slim Shady sai de cena para entrar o verdadeiro protagonista do álbum: Marshall Mathers. Com a música de mesmo nome, ela retrata o turbilhão que virou a vida de Eminem após o sucesso do ‘The Slim Shady LP’: fama, fãs, dinheiro e, principalmente, muita controvérsia e problemas pessoais. Sua própria mãe o processou, pedindo US$ 10 milhões depois de ter sido difamada em ‘My Name Is’.

Além disso, ele zomba do refrão da música “Summer Girls”, do grupo LFO, além de criticar e questionar o mérito artístico dos artistas pop que bombavam no momento, como Britney Spears, NSYNC, Backstreet Boys e Ricky Martín. Em também faz um ataque a dupla do Insane Clown Posse, uma rivalidade que vem desde antes que o rapper se tornou famoso, chamando-os de “bichas em chamas”.

Como frisou Wendell de Oliveira Albino, Slim Shady é o lado sombrio, Eminem é o equilíbrio entre os dois e Marshall Mathers é pura emoção. Como o nome da própria diz, é sobre ele que se trata e Marshall, mais do que nunca, tinha motivos para tanta emoção.

Se dinheiro e reconhecimento já tinham sido razoavelmente atingidos, os problemas posteriores o deixaram com mais raiva e emoções ainda: críticos, relações familiares turbulentas, falta de traquejo com a fama e com o fato de ter virado um pop-star mesmo sem ser de fato um pop star, entre outros. Nessa música, ele se desnuda, deixando exposta a fragilidade do homem por trás do alter-ego e do artista idolatrado e odiado por milhões.

Ele falou sobre isso no livro “Angry Blonde”:

“Ao montar meu segundo álbum, eu meio que queria criar um ‘I Don’t Give a Fuck parte 3’. Jeff do FBT estava tocando essa faixa no violão. Ele começou a cantar o refrão ’Cause i’m just Marshall Mathers’. É maneiro, porque toda vez que nós estamos botando pra quebrar no estúdio, parece que a gente vem com a merda mais irada de todas. Nós vamos botar pra quebrar enquanto a gente dá risada das merdas que falamos e eu vou dizer ‘Aí, isso é foda. Eu poderia usar isso’. Quando eu pensei no refrão, senti que eu precisava falar sobre as minhas opiniões nos versos sendo eu mesmo. Então eu me liguei em todas as tendências do hip-hop (que eu realmente não estou por dentro), do ICP, da minha mãe, dos parentes que não me conhecem e estavam sempre querendo se aproximar. Eu só queria cuspir fogo em cada verso e ter esse refrão leve e inocente. Eu acho que isso capta toda o sentimento da “varanda da frente” da capa do meu CD. Quando eu gravei isso, eu decidi chamar o álbum de ‘The Marshall Mathers LP’.”

Na introdução, Em já lança um desabafo:

“Você sabe, eu só não entendo. Ano passado eu não era ninguém, esse ano eu estou vendendo CDs, agora todo mundo quer se aproximar como se eu devesse algo pra eles. Que porra você quer de mim, 10 milhões de dólares? Sai daqui, porra”

Como ele diz, tudo mundo tão rápido: em um ano, ninguém queria saber dele, agora todo mundo quer se aproximar como se ele devesse algo. Ele também xinga a mãe, que entrou com um processo de US$ 10 milhões depois de ter sido difamada em ‘My Name Is’. A música vai logo para o refrão:

You see, I’m just Marshall Mathers (Marshall Mathers)

I’m just a regular guy

I don’t know why all the fuss about me (Fuss about me)

Nobody ever gave a fuck before

All they did was doubt me (Did was doubt me)

Now everybody wanna run their mouth

And try to take shots at me (Take shots at me)

(Veja, eu sou apenas o Marshall Mathers; Um cara normal, não sei o porquê de tanto barulho sobre mim; Ninguém deu a mínima pra mim antes, tudo o que vocês fizeram foi duvidar de mim; Agora todo mundo quer abrir a boca e tentar disparar em cima de mim)

Ao mostrar seu verdadeiro lado, o Marshall Mathers, até a voz na música muda. Marshall é mais humano, visceral e emotivo, enquanto Slim é uma criação feita para ser repugnante e nojenta. Em deixa claro que é Marshall que está no controle agora e é sobre ele as coisas, não a toa o CD passou a ter esse nome. Ele não entende como, do nada, passou de um desconhecido até todo mundo disparar contra ele. Pra quem veio do nada e sem perspectivas, isso é muito difícil de entender e de engolir. Quer dizer, não é muito: ele só passou a ser interessante quando virou famoso.

Na primeira estrofe, Marshall dispara contra os rappers que enriquecem tentando ser cópias mal feitas de Tupac e Biggie e também xinga o universo da música pop, da qual todo mundo insiste em dizer que ele faz parte só porque é loiro e suas músicas tocam na MTV:

“Aí, você pode me ver correndo, você pode me ver andando, você pode me ver andando com a cabeça de um rottweiler morto com a cabeça cortada no parque e com uma coleira pontiaguda e gritando com ele porque o filho da puta não quer parar de latir! Ou debruçado numa janela com uma espingarda carregada, andando pelo quarteirão no carro que o Pac foi alvejado, procurando pelos assassinos do Big, vestido de forma ridícula, azul e vermelho, como se eu não visse qual é o problema! Cano duplo, calibre 12, maior que Chris Wallace, irritado porque Pac e Biggie perderam tudo isso! Observando essas imitações baratas ficando ricos às custas deles! E ganhando dólares que deveriam ser deles como se estivessem batendo carteiras! E no meio desses Cristal e relógios de pulso, eu apenas sento, observo, fico enjoado e ando com uma garrafa vazia de Remy Martin, começando a fazer merda como se fosse um Cartman magro de 26 anos! Um anti-Backstreet Boys e Ricky Martin, cujo instinto é matar o NYSNC, não me faça começar com isso, esses pirralhos não sabem cantar e a Britney é um lixo! Qual é dessa puta, ela é retardada? Devolva meus 16 dólares! Tudo que eu vejo são mariquinhas sorrindo em revistas, o que aconteceu em ser mau e violento por aí? O que aconteceu em pegar alguém de porrada e roubar seus tênis, agasalhos e boné?”

Um fato interessante da linha onde Marshall escreve que está com uma arma debruçado diante de uma janela é que ele pode estar usando como referência uma famosa foto de Malcolm X, debruçado na janela e com uma arma. Ele, Big e Pac foram assassinados. Marshall sempre foi um grande fã e “estudante do hip-hop”. Ao falar sobre esse assunto tão delicado na cultura, ele dá um aviso aos fãs mais desavidos: ‘aqui não é Slim Shady e suas loucuras engraçadinhas. Dessa vez, o papo é bem sério. Aqui é Marshall’.

O assunto é sério pois ele fala de vermelho e azul, respectivamente as cores das gangues rivais Bloods e Crips. Se usar ela errada por aí nas ruas… Bem, naquela época era quase fatal. É uma forma de Em mostrar o conhecimento sobre hip-hop e avisar que ele não é somente um branco que “se promove através da cultura”, e sim que ele é um artista hip-hop de verdade, e está falando sério.

Quando ele fala que vai começar a agir igual Cartman, o personagem de South Park que irrita todo mundo com suas observações, ele imediatamente começa a fazer no verso seguinte, ao atacar diversos artistas pop, ficando cada vez mais com raiva. Ao criticar as boy e girlbands da época, Marshall no fim sente falta do gangsta rap dissecados nos clipes e letras de Ice T, Dr. Dre, Ice Cube, Eazy E, entre outros.

Isso também prova como Eminem, apesar de popular e contemporâneo, é um estudioso e grande admirador daqueles que pavimentaram o caminho do rap para que ele pudesse chegar lá também. É uma forma de declarar respeito e gratidão aos ídolos que o inspiraram, sempre mostrando que ele não é um abutre cultural passageiro.

Depois, Em canta no tom da música “Summer Girls”, da LFO, que virou um “meme” americano na época. Ele cantou baseado na sonoridade dessa linha:

New Kids on the Block had a bunch of hits

Chinese food makes me sick

And I think it’s fly when girls stop by for the Summer

New Kids on the Block suck a lot of dick

Boy/girl groups make me sick

And I can’t wait ’til I catch all you faggots in public

I’ma love it (Hahaha)

(New Kids On The Block chupam muito pau; Boy e girl bands me deixam puto; E eu mal posso esperar até pegar vocês viadinhos em público, eu vou amar)

Na segunda estrofe, é basicamente Marshall atirando contra o ICP, dupla que ele tinha muita rivalidade em Detroit, quase uma “diss verse”:

“Vanilla Ice disse que não gosta de mim, ele disse alguma merda na Vibe para me irritar, daí ele foi lá e pintou o cabelo igual o meu. Um monte de crianças pequenas querem xingar igual a mim e correr por aí gritando ‘não me importo, vem me pegar!’. Eu acho que estou aqui para irritar o mundo e destruir o seu filho ou filha de quatro anos; e eu estou aqui para colocar medo nas bichas que borrifam cerveja Faygo Root e se chamam de palhaços porque se vestem igual drag; Viadinho 2 Dope e Silent Gay, dizem que são donos de Detroit mas moram a 32 quilômetros de lá! Eu não luto, eu vou nocautear vocês, seus viadinhos do caralho! Perguntem para eles sobre a boate em que eles estavam e eles escaparam depois que eles se esconderam nos fundos quando nos viram e saíram, quando se abaixaram e levaram tiros de paintball — blaow! Olhem só vocês, falando de novo! Quando não tem nenhuma estrada por perto de onde vocês estão! E eu não preciso de ajuda do D12 pra bater em duas mulherzinhas que se maquiam e vão tentar me arranhar com unhas postiças! ‘Slim Anus’, você está certo, Slim Anus, eu não sou fodido no meu igual vocês dois, suas bichas flamejantes!”

Vanilla Ice ficou com inveja do sucesso de Eminem e, respondendo aos ataques dele, disse que “ele rimava como uma garota”, mas pouco tempo depois ele “copiou” o mesmo penteado de Slim.

Vanilla “Slim” Ice. Foto: Reprodução/Internet

O Insane Clown Posse é uma dupla de hip-hop que faz horrorcore cujo membros são o Shaggy 2 Dope e Silent J. Eles pintam o rosto como se fossem palhaços e desde antes de Eminem ficar famoso que eles tinham uma rivalidade local. Logo após Em estourar, a dupla fez uma diss chamada ‘Slim Anus’, que zoa o nome do alter-ego do rapper. A dupla chegou a organizar e praticar num campeonato de luta-livre, o que não intimidaria Em a querer brigar com eles se fosse preciso, embora nessa época Marshall aparentemente ainda não tinha contato com o boxe.

Shaggy 2 Dope e Silent J formam o ICP, dupla local de Detroit que rivalizou com Eminem por muitos anos. Foto: Getty Images

O livro “ICP: Behind The Paint” conta como surgiu esse atrito:

“A briga começou em 1997, quando Eminem estava dando uma festa para promover seu EP de estreia, o ‘The Slim Shady EP’. Ele deu para Violent J um flyer onde estava escrito que a festa “vai ter aparições de Esham, Kid Rock e ICP (talvez). J então perguntou para Eminem o porquê dele estar promovendo uma possível participação do ICP sem ao menos falar com eles antes. Eminem respondeu: ‘No papel está escrito ‘talvez’. Talvez vocês estejam lá, eu não sei. É por isso que eu estou perguntando pra vocês agora. Vocês vão para a minha festa de lançamento ou o quê?’ J, irritado pelo fato de não ter sido consultado antes, respondeu: ‘Porra, não, eu não vou na sua festa. Nós poderíamos ter ido se você tivesse nos perguntado primeiro, antes de nos botar numa porra de flyer como esse!”

Na sequência, Em lançou “Till Hell Freezes Over”, que zombava do grupo, que respondeu com “Slim Anus”. Em e o grupo continuavam a se provocar até culminar no incidente onde Eminem e o D12 expulsaram a dupla de uma boate em Detroit e atiraram com balas de paintball na van deles.

Essa prática da juventude inclusive foi o motivo que fez Em ser preso pela primeira vez, nos anos 1990, e também foi retratado no filme “8 Mile”.

Em disse que o grupo só falava bobagem sobre ele porque estavam longe demais de Detroit e, se fossem brigar, ele sozinho daria conta dos dois, que na época usavam unhas postiças para promover um novo projeto deles. Marshall zomba, como se estivesse morrendo de medo de ser arranhado.

Na diss “Slim Anus”, a dupla zoou sobre o fato de Eminem ser gay e ter feito favores sexuais para Dr. Dre em troca de um contrato. Slim, em inglês, também pode ser algo pequeno. Em zoa, dizendo que o cu dele continua pequeno, ao contrário do ânus da dupla, que estaria dilatado de tanto pau entrar ali. Que desagradável, hein? Vamos para o refrão:

’Cause I’m just Marshall Mathers (Marshall Mathers)

I’m not a wrestler guy

I’ll knock you out if you talk about me (You talk about me)

Come and see me on the streets alone

If you assholes doubt me (Assholes doubt me)

And if you wanna run your mouth

Then come take your best shot at me (Best shot at me)

(Porque eu sou apenas Marshall Mathers; eu não sou lutador mas posso te nocautear se você ficar falando sobre mim; Venha me ver nas ruas sozinho se vocês cuzões duvidam de mim; Se você quer abrir a sua boca, então venha e dê o seu melhor disparo contra mim!)

Eminem desafia a todos, seja liricamente, numa luta, em armas ou qualquer outra coisa. Na verdade, Marshall Mathers mostra que está falando muito sério, a raiva era real, e pra fazer alguma coisa ele não precisava de muito… O que seria realmente verdade.

No último verso, Marshall volta a xingar a mãe, que o processou por difamação e também acusou o filho de forjar uma história com o intuito de ganhar fama, dinheiro e prejudicá-la. O rapper também critica a súbita aparição de vários “familiares” depois que ele ficou famoso e com dinheiro, principalmente por parte do pai, que nunca havia o respondido desde então:

“É por que você me ama que você espera tanto de mim? Foda-se sua groupie puta, sai fora, vai lá com o Puff! Agora porque essa cabeça loira está no topo com essa cabeça fodida que eu tenho é que eu virei pop? O underground girou e fez um 360°, agora essas crianças me insultam e agem como grandes mariquinhas, ‘oh, ele quer alguma merda com a Missy, então agora ele pensa que ele está muito grande para fazer alguma merda com o MC Get-Bizzy’. A porra da puta da minha mãe me processou por 10 milhões, ele deve querer um dólar para cada pílula que eu roubei! Merda, de onde você acha que eu peguei o hábito? Tudo o que eu tinha que fazer era ir no quarto dela e levantar o colchão! Qual é que é, cadela: Senhora Briggs ou Senhora Mathers? Isso não importa, …… é um viado! Falando que eu fabriquei meu passado, ele está apenas irritado porque não vou ejacular na bunda dele! Então me diga, que diabos o cara vai fazer? Para cada milhão que eu ganho, um parente me processa! Família brigando e disputando para ver quem vai me convidar para jantar! De repente eu ganhei 90 e alguns primos, um meio-irmão e meia-irmã que nunca foram me ver ou quiseram falar comigo até que me verem na TV! Agora está todo mundo feliz e orgulhoso, eu finalmente estou autorizado a pisar na casa da minha namorada! E pra finalizar, eu fui até a banca de jornal pra comprar essa revista baratinha com um vale-refeição, pulei para a última página, folheei o papel rapidamente, e o que eu vejo? A foto da minha grande bunda branca! Ok, vou ajudar esses filhos da puta! Uhn, aqui, ‘XXL! XXL!’ Agora a sua revista não deve ter muitos problemas para ser vendida, ah, foda-se, até eu vou comprar algumas pra mim!”

No início da estrofe, Marshall se refere a pressão que um artista jovem sofre para que seu segundo lançamento seja tão arrebatador quanto o primeiro. É real o medo de artistas em virarem um “one hit Wonder”, o cara de uma música só ou de apenas um grande sucesso e que depois volta para o ostracismo.

Ao mesmo tempo, ele mostra que não está nem aí em se tornar um pop star: ele vai manter a integridade da música. Se ele quisesse apenas vender milhões de CD, ele faria alguma parceria com o Puff Daddy, o cara responsável por dar muita grana ao Notorious Big e onde até Jay Z chegou a trabalhar com ele para vender ainda mais diante da temática dos carrões, champagnes, jóias e mulheres nos clipes. Em é underground, pra ele o que vale é a rima e não um visual que não tem nada a ver com a personalidade dele.

Uma outra questão interessante é como a indústria do pop engloba tudo o que faz sucesso, mesmo o que não seja pop para no final das contas… virarem pop. Depois de estourar, os mesmos sites de celebridades que endeusam os pop que tocam no rádio começaram a colocar Em na mesma categoria, porque ele é loiro e está fazendo sucesso com um público branco que não era o usual do hip-hop, e sim do pop e rock. Marshall está dizendo que jamais será pop, por mais que ele possa visualmente ser parecido com um.

Essa mentalidade underground fica evidenciada quando muitos criticaram Eminem por ter “se vendido” para fazer sucesso e, a partir daí, começar a cantar com rappers populares, como por exemplo a Missy Elliott, ao invés de fazer uma parceria com o MC Get-Bizzy, um cara underground da cena. Isso fica meio refutado com a “Remember Me?”, onde ele rimou com o RBX e o Sticky Fingaz.

Quando Em acusa a mãe de usar drogas e pílulas e é processado por isso, ele dobra a aposta e conta mais detalhes sobre isso, como encontrar as drogas debaixo do colchão. Um MC de Detroit chamado Hush falou sobre essa linha para o The Detroit Metro Lines:

“Quando Em voltou de Los Angeles depois de gravar o ‘The Slim Shady LP’, nós fomos para a casa da mãe dele, no trailer park da 26 Mile. A mãe dele tentou ser legal, mas não parecia estar bem. Eu fui avisado por Em, mas foi um pouco chocante ver ela explodir. Então, a primeira coisa que Em fez foi levantar o colchão e procurar pílulas. Quando ele disse isso na linha, ele está falando sério.”

DJ Rec, que participou de algumas músicas do Eminem no ‘The Slim Shady EP’ e no hit ‘My Name Is’, corroborou:

“Ele foi direto para o passado. Ele mal podia fumar um baseado. Ele brincava com os analgésicos de vez em quando — especialmente porque eles ficavam literalmente espalhados pela casa”.

Então, parece ser sério quando Em diz que começou a usar drogas e pílulas por influência e hábito materno. Na época, ela tinha se casado com o quarto esposo, John Briggs, e Eminem provocou se ela continuaria usando o sobrenome do pai dele ou o novo. No CD, a linha “seu advogado Fred Gibson” foi censurada pela Interscope quando Em ia chamá-lo de viado, provavelmente por medo das consequências judiciais que isso poderia acarretar para ele e a gravadora. O caso com a mãe era “fraco” (tanto é que Em só pagou 1600 dólares), mas a difamação de um advogado com certeza seria um caso grave para Em e a gravadora.

Marshall deixa claro também a raiva que sente de seus familiares parasitas que só passaram a amar ou lhe dar atenção a partir do momento em que ficou famoso e começou a ficar famoso. Quando criança, ele nunca teve suas cartas respondidas pelo pai. No entanto, bastou estourar na música que o próprio pai enviou uma carta aberta com o intuito de encontrá-lo.

As pessoas que ele se refere na música são Sarah e Michael Mathers, meio-irmão dele por parte de pai, que assim como ele, só passaram a procurá-lo depois da fama. Em rechaçou qualquer tentativa de aproximação. O único meio-irmão que ele tem uma boa relação até hoje é Nathan, onde ele também assumiu a guarda no tempo em que a mãe não tinha condições de cuidá-lo.

Quando Eminem estourou, muitas pessoas surgiram por aí afirmando algum parentesco com Em. Sarah Mathers deu várias entrevistas afirmando ser meia-irmã de Marshall, mas o rapper nunca teve interesse em conhecer os familiares por parte do pai. Foto: Reprodução/Internet

Eminem também explicou o motivo na qual ele disparou contra a revista “XXL”, criada em 1997 e que rapidamente se tornou uma das referências da cultura hip-hop na época, juntamente com a “The Source” — outro veículo que Em teve problemas posteriores:

“Bem, tinha uma pequena discussão quando eu surgi. Praticamente toda a equipe velha apontou a arma para tudo isso. No início, nosso publicista estava tentando fazer a ‘XXL’ escrever uma matéria de capa e a ‘XXL’ disse: ‘Não. Nós não vamos fazer matéria de capa sobre rappers brancos, ponto.’ Então depois que eu surgi, eles fizeram uma matéria sobre mim, mas não era uma entrevista… A matéria dizia que eu era apropriador cultural e membro da ‘Ku Klux Klan’… basicamente estavam só escrevendo merda. Então eu participei de uma campanha contra a ‘XXL’, o que poderia não ser a coisa mais esperta naquela época, porque na posição que eu estava, eu realmente precisava da ‘XXL’, mas eu sou um cara que se é ‘foda-se você!’ eu vou ser ‘foda-se você!’ Quase nunca eu sou o primeiro a mandar um ‘vai se foder’.”

Ou seja: Em diz que a revista é tão barata e vagabunda que até um vale-refeição é suficiente para comprá-la. No Genius, ele também escreveu que só entendeu que uma vale-refeição não é comestível quando ele ficou uma noite na emergência do hospital com muitas dores após justamente ter comido um vale-refeição.

Marshall Mathers mostra o homem por trás do personagem Slim Shady e da persona Eminem, que é a combinação dos dois. Apesar do dinheiro, fama e reconhecimento, a raiva continuava incomodando a pessoa Marshall: familiares interesseiros e seus conflitos, brigas com outros rappers e revistas e toda e qualquer coisa que o incomodava, como ser taxado de um abutre cultural e pop-star somente por ser branco e ter cabelo loiro. Como ele mesmo explicou em ‘Kill You’, a faixa de abertura, ele ainda tem muita coisa para escrever, seja ela sincera ou apenas para zoar, chocar e incomodar os críticos.

Como o título aponta, é a música que basicamente resume todo o projeto. O cara em questão dessa vez é Marshall Mathers. Na sequência, surge o outro personagem: o depravado Ken Kaniff está de volta!

Continuando a provocação com o pessoal do ICP, nessa skit Ken Kaniff está sendo, digamos, chupado pelos dois membros da ICP. Quando ele vai gozar, ele pede para que os dois digam o nome dele, e eles respondem “Eminem”. Ken fica irritado e vai embora, dizendo que “se eles querem Eminem, vocês talvez terão o Eminem”.

O verso em Marshall Mathers e essa skit foram uma forma, até baixa e vulgar, de Em responder seus desafetos. É impossível não achar graça no maníaco Ken Kaniff, um legítimo personagem de desenho animado, embora infelizmente exista milhares de pervertidos sexuais por aí — o que não é divertido, obviamente.

Na música seguinte vem a “canção de amor” de Eminem. “Drug Ballad”, como o nome diz, é mais uma ode as drogas que o rapper passou a usar cada vez mais após ficar famoso e como isso afetava suas composições, escrevendo ainda mais doideiras e até ficando “apaixonado”.

Como a ideia de continuação do álbum, pode se dizer que “Drug Ballad” é uma evolução de “Cum On Everybody” porque nas duas músicas a cantora Dina Rae participa do refrão. Ambas tem uma batida pop pegajosa, fugindo e dando um respiro para as composições pesadas do horrorcore e hardcore proeminientes do projeto. A diferença é que, dessa vez, Em diz que é “sua música romântica”, enquanto na outra era apenas uma “música dançante”, o que é quase a mesma coisa.

Eminem explicou para o “Angry Blonde”:

“Essa foi mais uma das músicas que nós fizemos em um dia apenas brincando. Eu escrevi as rimas em 20 minutos. Todos os três versos. O refrão era simples. Eu cantarolei com o Jeff mexendo no baixo. Eu queria mostrar como até o ano passado eu estava sempre fodido. A vida era tipo uma grande festa para mim. Foi o primeiro ano que eu estourei e fiz muitas celebrações.”

A música inicia com a melodia final de ‘Cum On Everybody’, reforçando ainda mais o tom de continuação. Na abertura, diferentemente do usual, Eminem está num ritmo mais cadenciado, falando que “não vou entrar ainda, só mais um minuto! Aí, essa é a minha música romântica, que é mais ou menos assim…”, dando um tom de suspense e cadência típicas de uma balada romântica.

Na primeira estrofe, Em descreve como que ele começa a ficar doidão em uma festa até chegar no final do verso, onde além de bêbado, ele já começa a ficar chapado de ecstasy e LSD. A música, na verdade, é uma mistura de “Cum On Everybody” com “My Fault”, mostrando os efeitos do álcool e drogas no Eminem e como, no fundo, ele não consegue se livrar disso, por mais que saiba que está indo para um caminho perigoso:

“De volta para quando Mark Wahlberg era Marky Mark (viado do caralho!), era assim que a gente fazia para começar a festa: nós misturávamos Hen e Bacardi Dark e quando isso entra você mal consegue falar; e no sexto gin você vai estar provavelmente rastejando, e você provavelmente vai ficar mal e vomitar; e a minha previsão é que você provavelmente vai cair em algum lugar do lobby ou na parede do corredor; e tudo vai estar girando, você vai começar a pensar que as mulheres vão estar nadando em um linho rosa; e depois de alguns minutos que você tiver terminado a garrafa de Guinness, você agora está autorizado oficialmente a bater em vadias, você tem o direito de ficar violento e começar a ser selvagem, começar uma briga com o mesmo cara que estava te encarando; entre no seu carro e comece a dirigir na ilha e causar um engarrafamento de 42 carros; ‘Terra chamando, piloto para co-piloto, procurando por vida nesse planeta, nenhum sinal, senhor; tudo o que eu vejo é uma grande nuvem de fumaça e eu estão tão chapado que poderia morrer se me aproximasse; me tira daqui, eu estou em outro lugar, eu estou em outro espaço, eu desapareci sem deixar rastro, eu estou um indo para um lindo lugar onde as flores crescem, volto em uma hora’”

No início do verso, Em cita o agora ator Mark Wahlberg, que no início da carreira chegou a ser um artista hip-hop e era conhecido como Marky Mark and the Funky Bunch. Eles tiveram uma rixa estranha durante uma aparição na MTV que demorou anos para ser finalizada. Em falou sobre isso para o Anthony Bozza no livro “Whatever You Say I Am”:

“Um cara que trabalha na MTV nos avisa que o Mark Wahlberg está chegando e diz que agradeceria se a gente não chamasse ele de Marky Mark. Então ele chega e fica do lado de fora quando estávamos fora do ar e ele estava tipo ‘o quê, é para ter alguma porra de tensão por aqui ou algo do tipo?’ Eu fingi que não ouvi e caguei pra ele. Quando fomos para o ar, eu fiquei tipo ‘we’ll just stand around here like one big fun bunch!’ (Nós vamos apenas ficar aqui como uma grande diversão!). Eu dei uma facada nele. Ele não queria que eu falasse Marky. Provavelmente não queria que eu falasse ‘funk-y’ também.”

No ar, depois da piada, Wahlberg murmurou um “cuzão”, então é por isso que Em responde da mesma forma na música, chamando-o de “viado do caralho”. A briga dos dois acabou em 2010, quando Eminem participou de um episódio da série “Entourage”, produzida pelo próprio Mark, além de elogiá-lo em entrevistas. Recentemente, Mark falou sobre o episódio para a revista GQ:

“Eu não tinha encontrado o Eminem antes dele fazer essa música. Aí eu o encontrei em um evento da MTV. Nós saímos juntos. Cara muito legal. Talentoso. E sim, eu não lhe dei crédito por isso há muito tempo. Eu era um hater porque ele era um rapper melhor que eu, eu vou admitir isso, eu acho que é a primeira vez que eu admito isso publicamente, mas é bastante óbvio.”

Se no início da letra Em estava bem e de boas bebendo e com o “direito de ser violento e bater em mulheres” (Slim Shady fica tão doidão que passa do ponto), o final do verso mostra como ele começou a entrar em uma “bad trip” depois beber e usar tantas drogas, especialmente o ecstasy e LSD, um conceito muito parecido com o que ele usou em ‘My Fault’. Ao falar que sumiu e foi para outra dimensão, Slim pode ter apagado ou morrido. É especialidade do Eminem falar de coisas sérias em tom humorado ou cartunesco, e “Brain Damage” é uma prova disso.

E chega o refrão:

’Cause every time I go to try to leave (Whoa)

Something keeps pullin’ on my sleeve (Whoa)

I don’t wanna, but I gotta stay (Whoa)

These drugs really got a hold of me (Whoa)

’Cause every time I try to tell ’em “no” (No)

They won’t let me ever let ’em go (Go)

I’m a sucker all I gotta say (Whoa)

These drugs really got a hold of me (Whoa)

(Porque toda hora que eu tento ir embora, alguém me puxa pela manga; Eu não quero, mas eu continuo; Essas drogas realmente me pegaram; Porque toda vez que tento dizer ‘não’ para eles, eles nunca vão me deixar sair; eu sou otário, é isso o que eu posso falar porque essas drogas realmente me pegaram;)

Mesmo de forma humorada e com uma batida pegajosa, Em/Slim de certa forma meio que pede ajuda. Ele tenta não se afundar nas drogas e bebidas, mas uma força o impede de não fazer isso. Ele está sem controle e isso pode ter consequências graves no futuro, como quase teve…

Na segunda estrofe, Eminem explica para o ouvinte como ele começou o vício e progrediu, de um ponto onde era engraçado e divertido, até um momento em que não é mais e vira uma dependência:

“Na terceira série, tudo o que eu fazia era cheirar cola num tubo e brincar com um cubo mágico; 17 anos depois, eu sou tão rude quanto o Jude, olhando pra primeira garota com peitos grandes; eu não tenho jogos, e cada cara parece a mesma, eles não têm nome, então não preciso jogar um jogo, eu só falo o que eu quiser para eu quiser, sempre que eu quiser, onde eu quiser, como eu quiser! No entanto, eu mostro respeito para algumas, esse ecstasy me deixou parado perto de você, me deixando sentimental pra caralho, derramando coragem em você; nós nos acabamos de nos conhecer, mas eu acho que estou apaixonado por você! Você também está, então diga que me ama! Acordamos de manhã tipo ‘aí, que porra nós fizemos?’ Eu tenho que ir, vadia, você sabe que eu tenho coisas para fazer, ‘porque se eu for pego traindo’, aí vou estar preso em você! Mas a longo prazo, essas drogas vão me pegar, cedo ou tarde, mas foda-se, eu estou dentro! Então vamos curtir, deixar o X destruir sua medula espinhal, então ela não é mais uma linha reta até andarmos por aí como se fóssemos bonecos de corda, essa merda está saindo das nossas costas como se fosse um dinossauro! Merda, seis doses não me deixam mais chapado, então tchau, por enquanto, eu vou tentar encontrar um pouco mais”

Uma curiosidade desse verso é que Eminem cita Rude Jude, que antigamente fazia parte de um programa chamado “Jenny Jones Show”. Seu quadro era debochar dos famosos que antes da fama eram feios e depois se tornaram bonitos, sendo rude com eles. Atualmente, o Jude Rude tem um programa de rádio na Shade 45, a rádio do Eminem.

Ao falar que poderia falar o que quiser para quem quiser quando quiser e se quisesse, isso ficou bastante claro no livro “Shady Bizzness: A Vida como Segurança de Eminem”, onde um dos seguranças dele afirmava que, na época que ele ficou famoso, existia um monte de groupies determinada a dormir com ele toda a noite. Eminem simplesmente não precisava fazer nada, apenas ser famoso. Ele também deixa bem claro que traiu Kim enquanto eles iam e voltavam várias vezes nesse meio tempo. Ainda assim, tinha medo de ser flagrado, mas acabou deixando nas entrelinhas das músicas. Na verdade, o próprio segurança conta as inúmeras vezes que teve que acalmar os ânimos entre Kim e Eminem em virtude de vários flagras com as groupies.

O verso deixa claro como o álcool e as drogas inflamam nossos sentimentos: “a bebida entra, a verdade sai” e tudo fica mais intenso, todo mundo vira o amor da nossa vida e por aí vai… um caminho perigoso, sem dúvidas. Eminem também confidencia que sabe que está indo por um caminho errado, mas não é forte o suficiente para largá-lo. Além do mais, na época ele era jovem, e nós jovens achamos que somos indestrutíveis. Pois bem, esse vício quase matou ele.

Eminem estava tão viciado que seis pílulas não eram mais o suficiente para deixá-lo chapado. Como ele contou várias vezes em entrevistas, no auge ele chegava a tomar 60 pílulas de Vallium e 30 de Vicodin por dia. Tudo isso para começar a fazer efeito… reiterando: por mais cartunesco que seja, no fundo era um aviso para os ouvintes e um pedido de socorro sobre os efeitos do vício: ele destrói a própria vida e também de quem está ao redor.

No verso final, um Eminem ambivalente. É como se ele saísse do corpo e analisasse os dois lados. Ele cita o “lado positivo” de estar sempre chapado e bêbado em festas diárias para prolongar o uso e ignorar os efeitos, assim como consegue mostrar o lado ruim disso tudo para tentar desencorajar os ouvintes a entrar ou afundar ainda mais nos vícios, utilizando até um exemplo extremo de que, no futuro, estaria cuidando dos netos bebendo whisky enquanto a própria filha estaria nas ruas se drogando.

A exemplo do que foi com a mãe, seria o vício em pílulas sendo passado para mais uma geração. É uma mensagem forte em meio ao tom cartunesco e as milhares de rimas internas e intensas, como por exemplo “bottle”, “hollow”, “swallow”, “wallow”, “sorrow” e rimar “marijuana” com “where was you brought it”:

“Esse é o som de uma garrafa quando ela está vazia, quando você engole tudo e se afoga na sua tristeza; e amanhã você provavelmente vai querer fazer tudo isso de novo; O que é um líquido espinhal entre você e seu amigo? Dane-se! E o que é um pouco de álcool envenenando? E o que é uma pequena briga? Amanhã vocês serão parceiros de novo; é a sua vida, viva do jeito que você quiser, maconha está em todos os lugares, de onde você trouxe? Isso não importa a menos que você chegue até onde você está indo, porque nada dessa merda vai significar merda nenhuma quando nós estivermos indo; eles dizem para você parar, mas você fica sentado, ignorando, mesmo que você acorde se sentindo um merda em todas as manhãs; mas você é jovem, você ainda pode usar muitas drogas, garotas pra transar, festas pra arrebentar, é ruim ser você; se eu pudesse retroceder isso tudo, eu não faria, eu faria mais merda do que as pessoas diriam que eu não deveria fazer, mas eu estou crescido e melhorado, graduado para drogas melhores e atualizado, mas eu ainda tenho muita coisa para crescer, eu ainda tenho muita coisa para vomitar, mas quando eu disser que acabou, vou estar com 40 antes que eu perceba, na varanda, contando histórias com uma garrafa de Jack, dois netos no meu colo, sendo babá pra Hailie enquanto ela está lá fora se acabando”

Ao fazer essa reflexão, Em mostra o lado do viciado que, mesmo quando já bebeu e usou tudo o que pode e o que tem, continua se sentindo triste, vazio e solitário, com as “vozes da cabeça” lhe pressionando e fazendo efeito negativo. Enquanto era um viciado, ele mostrou várias vezes como isso é um problema e afetou seu temperamento com o passar dos anos, conforme escreveu no livro ‘The Way I Am’:

“Quando eu estava bebendo, eu poderia estar de bom humor — amando todo mundo e achando tudo maravilhoso — até alguém me falar uma merda errada e, antes que você percebesse, não havia nada que meus guarda-costas poderiam fazer para me impedir de reagir, e pelo menos, socar, cuspir e chutar algumas vezes antes que eles me pegassem.”

Literalmente, Slim Shady era o bêbado querendo brigar já citado por Eminem nesse próprio livro. Ao descrever como ficou cada vez mais dependente das pílulas e produtos mais pesados ao passar do tempo, Em já mostrava desde essa época os efeitos negativos que isso poderia causar a sua vida mais adiante, não só na saúde, mas também na relação com as pessoas próximas. Era um aviso para os ouvintes, mesmo que de forma escrachada, sobre o efeito negativo de drogas, pílulas e bebidas.

Ao mesmo tempo, ele deixa um recado importante para os pais: se eles tiverem comportamentos ruins em casa, isso certamente irá servir como influência para que os filhos façam igual ou pior no futuro, até mesmo no caso de Eminem, que ironicamente diz que provavelmente vai servir como uma influência negativa para a própria filha, que vai repetir os mesmos erros do pai e assim por diante. Como todos sabem, não foi isso que aconteceu. Eminem está sóbrio e ainda não é avô, bem como Hailie é aparentemente saudável.

‘Drug Ballad’, travestida de “canção de amor divertida e doidona”, serviu como um alerta e mensagem importante para os jovens que escutavam o rapper e, também, como um aviso ao próprio Marshall do que isso poderia acarretar no futuro. Ao mesmo tempo que a felicidade pode ser efêmera, os efeitos com certeza são mais arrebatadores e duradouros. No entanto, se tratando de arte, a lembrança é da própria arte e não tanto do autor. Algumas das melhores composições do Eminem foram durante esse período onde tomava pílulas, drogas e remédios.

Na música seguinte, o horrorcore vem com tudo. Amityville é o nome de uma vila localizada na cidade de Babylon, condado de Suffolk em Nova Iorque. O local ficou conhecido por ser relacionado a crimes e histórias macabras de terror.

Tudo isso porque, em 1974, Ronald DeFeo Jr, de 24 anos, assassinou seus pais e quatro irmãos dentro de casa, no número 112. DeFeo alegou que ouvia vozes frequentemente, e que essas vozes o teriam convencido a cometer esses asssassinatos. Ao longo do tempo, ele também inventou inúmeras histórias de que existiam outros cúmplices no crime e até que na verdade a responsável era a irmã, sendo que ele teve que matá-la como legítima defesa. Ele cumpre prisão perpétua.

112 Ocean Avenue, em Amityville, palco de um assassinato que motivou vários filmes de terror sobre o acontecimento e a aparição de vários curiosos na localidade. Foto: Reprodução/Internet

Esse caso trágico gerou o livro “Horror em Amityville”, assim como diversos filmes e remakes ao longo da história. No livro escrito por Jay Anson, a obra se baseia em 4 semanas entre dezembro de 1975 e janeiro de 1976, quando uma família foi morar no local n° 112 após os assassinatos. A família Lutz abandonou o local, alegando ter sido aterrorizada por fenômenos paranormais. Os filmes mostram a casa como se ela fosse afastada das demais, mas segundo moradores da época, o endereço era uma casa comum num lugar suburbano.

Pôster de um dos vários filmes de “Horror em Amityville”. Foto: Reprodução/Internet

Enfim, desde então Amityville ficou conhecida como uma localidade perversa, doente, de diversos crimes e acontecimentos estranhos… nessa música, no entanto, Em diz que Detroit é mais doentia e pior do que Amityville. Ele cospe fatos terríveis e macabros que acontecem na cidade. Um horrorcore puro, que teve a participação do amigo Bizzarre, do D12.

O refrão já resume tudo:

He’s mentally ill from Amityville

He’ll accidentally kill your family still

Thinkin’ he won’t, goddammit he will

He’s mentally ill from Amityville

(Ele é o doente mental de Amityville; Ele vai acidentalmente matar sua família; Pensa que não, ele vai, porra; Ele é o doente mental de Amityville)

Slim Shady agora incorpora Ronald DeFeo, o matador de Amityville. Assim como o original, ele pode matar a família dele e a sua sem que você perceba. Foi o que Ronald disse a polícia no interrogatório, quando finalmente admitiu a culpa pelos crimes: “Quando comecei, não pude parar. Passou tão rápido.”

Na primeira estrofe, basicamente Slim descreve como está e o que sente vontade de fazer, o que não é novidade pra ninguém: beber, pensar em coisas pecaminosas e doentias, bater em vadias, etc. Na verdade, como Em resumiu depois, esse verso não diz absolutamente nada, como ele mesmo escreveu em “Angry Blonde”:

“Meu primeiro verso e o do Bizzare não estavam lidando com o tema em questão. Eu disse ‘Aí, nós precisamos falar sobre Detroit’. Então no último verso eu resumi tudo.”

O verso de Bizarre resume o nome artístico dele: bizarro, competindo com Slim e com o assassino para ver quem ali é o mais doente. Um belo verso de horrorcore que, entre outras coisas, diz que transou com o primo, cortou a garganta da mãe, deu de aniversário para a irmã pequena 10 caras para ela perder a virgindade e disse que não estuprou a mãe porque ela estava dormindo no ato (ou seja, é estupro). Como “consequência” disso, ele foi contratado pela Interscope. Vale lembrar que, durante a gravação do álbum, Em criou a Shady Records, contratando quase toda a banca de Detroit que estava com ele, incluindo obviamente o grupo D12.

No terceiro verso sim Slim deixa explícito o que acontece em Detroit. Ele diz que Amityville é “fichinha” perto das perversidades que acontecem na cidade dele, como por exemplo: drive-bys, tiros na polícia e matar famílias.

Slim faz uma linha esperta ao afirmar que isso não é Detroit, e isso Hamburger Hill, uma famosa batalha que ocorreu na Guerra do Vietnã. Apesar da vitória dos americanos, o exército se retirou da colina dias depois, fazendo com que os vietcongs retomassem a posição. O alto custo do combate e o pouco valor estratégico dele revoltou a população e essa batalha virou um símbolo daquela guerra: embates violentos, muitos mortos e pouca coisa conquistada. Essa batalha foi reproduzida em um filme lançado em 1987, durante o boom de filmes da guerra que surgiram posteriormente.

A batalha de Hamburger Hill (1969) originou o filme, lançado em 1987. Foto: Reprodução/Internet

Ou seja, Detroit é pior que Hamburger Hill: lá, há embates violentos e muitos mortos, sem nada para conquistar, apenas a pura diversão doentia em assassinar todo mundo.

Originalmente, a música também teria os versos de Pacewon e Young Zee, membros do The Outsidaz, antigo grupo que Eminem fez parte antes de ficar famoso. Ele inclusive dá um salve para a galera no som ‘Just Don’t Give a Fuck’.

No entanto, Dr. Dre reclamou que o CD estava com muitos features e Em cortou a participação deles, mantendo apenas Bizarre e escrevendo a terceira estrofe. Isso resultou em uma pequena rixa entre Pacewon e Eminem, sendo que um tempo depois o primeiro acabou lançando algumas disses para o segundo.

Amityville é uma das raras faixas horrorcore produzidas por Eminem durante esse período de ascensão ao estrelato. Por não ser um tema muito conhecido pelo mainstream do hip-hop, com certeza são letras chocantes para os ouvidos mais sensíveis. No entanto, isso não era tão grave, visto que todo mundo já estava se acostumando com o estilo Shady. Em só voltaria com essa temática horrorcore no “Relapse”, lá em 2009.

Dre reclamou de muitos features no álbum de Eminem porque na faixa seguinte estava na hora de reunir todo o time de peso da Aftermath. “Bitch Please II” é a continuação da música do Snopp Dogg, presente no CD “No Limit Top Dogg” e que tem as participações de Xzibit e Nate Dogg. Dessa vez, além deles, teremos Dre e Eminem na faixa, é claro. Um quinteto de peso.

Essa música também marcou o início de várias participações do Nate Dogg com o Em, sendo a mais famosa delas na clássica “Till I Collapse” do ‘The Eminem Show’.

Na abertura, Dre dá um salve para Detroit e Snoop Dogg pergunta: “eles não fizeram isso de novo, você reuniu essas caras duas vezes, Dre? Tá sentindo o cheiro disso? É muito especial” e os dois “brindam” até o começo do som.

Em foi o ghostwriter de Dre. No verso, Dre fala sobre a recente aparição que fez com seu protegido em ‘Guilty Conscience’ e sobre como essa música e seus outros versos podem causar variados efeitos nas pessoas, comparando com um som de Limp Bizkit e como as pessoas ficam descontroladas:

“Apenas me deixe relaxar umas ideias simplistas de cafetão na merda do Slim e começar tumultos igual o Limp Bizkit, tocar ‘Guilty Conscience’ nos shows e assistir bate cabeças até os filhos da puta apagarem”

Na época, Eminem era parceiro de Fred Durst, vocalista do Limp Bizkit. Ele e Dre participaram do clipe “Break Stuff”, que foi o grande responsável pelo público ter quebrado tudo enquanto essa música tocava no Woodstock de 1999. O público começou uma guerra de garrafas. Na sequência, foram distribuídas velas para o público, que começou a queimar tudo e roubar tudo o que via pela frente no festival.

Na outra metade do verso, Dre exalta a parceria que tem com Snoop e toda a costa oeste em um típico gangsta rap. Na segunda estrofe, surge Snoop Dogg, que também faz a mesma coisa: fala de bebidas, armas e como ele consegue botar todo mundo pra dançar, cantar e fumar um também. No final, ele faz um salve para Eminem:

“Curtindo a boate com meu sobrinho Eminem, a grande esperança branca”

Naquela época, o ‘2001’, o CD do Snoop Dogg e os dois primeiros álbuns do Eminem foram feitos em um espaço de tempo muito curto, o que serviu para aproximar todos os lados da Aftermath, incluindo Dre e praticamente todos os seus protegidos. Na época, o principal deles era Snoop, com Em tendo uma forte ascensão. Por incrível que pareça, essa é a única música que os dois fizeram juntos.

Quando Snoop se refere a Em como “a grande esperança branca”, ele fala de uma expressão americana do século XX, onde todos os boxeadores brancos tinham esse apelido porque eles seriam a esperança do público branco para derrotar o grande campeão Jack Johnson, o primeiro negro peso-pesado da história. Os ataques raciais a Johnson eram tão grandes que demorou vinte anos para que outro negro pudesse ser desafiante novamente (Joe Louis).

Eminem era a grande esperança branca no sentido contrário, pois no hip-hop é (ou era) muito raro ter bons rappers brancos fazendo sucesso e sendo reconhecidos. Em seria mais uma tentativa, assim como os Beastie Boys (deram certo) e Vanilla Ice (não) foram antes. Bem, acho que a esperança virou realidade.

No refrão, o inigualável Nate Dogg:

And you don’t really wanna fuck with me

Only nigga that I trust is me

Fuck around and make me bust this heat

That’s the devil, they always wanna dance

(E você não quer foder comigo; O único nego que eu confio sou eu mesmo; Leva uma comigo e me faz atirar, isso é o diabo, ele sempre quer dançar)

A última frase vem da primeira versão da música. O diabo, no caso, são as pessoas malucas (“com o diabo no corpo”) que querem mexer com esses caras (“chamar pra dançar”). É melhor não fazer isso. Tome cuidado.

Na sequência vem Xzibit, que para muitos foi o que teve o melhor verso, destacando o último: “Vadia, você tem problema mental! Assuma sua posição e fique de joelhos, qual é!” Ele faz referência a um verso parecido que cantou na primeira música e faz um duplo sentido, tanto no sentido sexual quanto no lírico, onde ninguém é maluco de competir com ele liricamente. Quem fizer isso vai cair de joelhos.

Para fechar o som, é a vez de Eminem, como Slim Shady. Nos primeiros três versos, ele imita o estilo, cadência e até a voz de Snoop Dogg, se auto-intitulando Slim Dogg. Depois, ele assume o flow normal para responder um crítico em especial: Timothy White, diretor da Billboard que lhe fez duras críticas no lançamento do ‘The Slim Shady LP’, acusando-o de “ganhar dinheiro explorando a miséria do mundo”:

“Me dê o microfone, me deixe recitar até o Timothy White fazer piquete no lado de fora do escritório da Interscope todas as noites, e se ele estiver certo? Eu sou apenas um criminoso que vive da miséria do mundo; o quê no mundo me dá o direito de falar o que eu gosto e andar por aí com o dedo do meio pra cima? Vivendo a vida urbana igual um garoto branco dos subúrbios que sonham à noite em gritar com a mãe, planejar sair de casa e crescer tão malvado quanto eu sou”

Em falou sobre os ataques do jornalista numa entrevista para a MTV:

“Ele estava tentando me julgar, falando que ‘oh, ele não ama a filha dele e está fazendo piada do relacionamento deles’. Ele realmente não sabe o que eu passei na minha vida pessoal. Então ele é apenas mais uma pessoa que tenta me julgar. Que ele fique nervoso e vá para a igreja! Tchau!”

Timothy White morreu em 2002, aos 50 anos, vítima de ataque cardíaco.

Ele também ironiza mais uma vez o fato de as crianças o escutarem e se influenciarem, tentando ser igual a ele: rebelde, que odeia a mãe e seja mau por aí, mas, como todos sabem, só existe um Slim Shady.

Mais uma vez, Slim responde aos críticos que sempre pediam para maneirar no tom e nas palavras de suas letras:

“Então quando você me ver vestido de nerd na TV ou me ouvir no CD falando a palavra ‘viado’ tão livremente, eu estou sendo apenas eu mesmo; você quer que eu diminua? Chupa a porra do meu pau, viadinho! Você está feliz agora?”

Quando ele fala em se vestir de nerd, é uma referência para o clipe de ‘My Name Is’. Como escrito anteriormente, Em estava cansado de se explicar sobre as letras para tudo e todos, então resolveu falar mais ainda sobre gays e’viados’ o que, é claro, causou a ira dos críticos e das associações LGBTs. No final do verso, ele faz uma referência a primeira versão de Bitch Please:

Look here, I start some trouble everywhere that I go (That I go)

Ask the bouncers in the club ’cause they know (’Cause they know)

I start some shit, they throw me out the back door (The back door)

Come back and shoot the club up with a .44 (A .44)

(Olha só, eu começo a confusão em todos os lugares que vou; pergunte aos seguranças das boates porque eles sabem; Eu começo alguma merda e eles me jogam pela porta dos fundos, eu volto a boate e atiro com uma .44)

A versão original:

I get the money everywhere that I go

I bust a bitch and take her money fo’ sho

I get the money everywhere that I go

I bust a bitch and take her money fo’ sho

“Bitch Please II” foi uma grande reunião entre os grandes artistas da Aftermath e, mais importante do que isso, a reunião improvável de quase todos os protegidos de Dr. Dre naquela época.

Um típico som do gangsta rap com a participação de Eminem. Em, Dre, Nate e Xzibit participaram de outras músicas nos anos seguintes, mas até hoje é a única que Em e Snoop participaram juntos. A faixa, assim como o projeto, também era uma forma de Dre mostrar que Eminem era o seu novo protegido e ele estava para ficar, ao se juntar com outros grandes nomes do gangsta rap da Costa Oeste.

Se o pessoal do hip-hop já está familiarizado com o gangsta rap e a violência gratuita, certamente os fãs de Eminem estavam começando a se familiarizar. No entanto, ninguém poderia prever o que viria a seguir.

“Kim”, apesar de ter sido gravada depois, é na verdade o prenúncio de “97 Bonnie & Clyde”, lançada no álbum anterior. Na faixa do CD, Em conta como ele e Hailie são apenas os dois sozinhos no mundo depois de ter assassinado a mãe de sua filha, como mostra a capa do projeto.

Em “Kim”, Slim/Marshall/Eminem mostra os acontecimentos e a discussão entre os dois que sucedeu na “morte” da então namorada do rapper. Ele falou mais sobre isso no “Angry Blonde”:

“Essa favorita da mídia na verdade foi a primeira música que eu escrevi para o álbum. Eu a terminei em 1998, quando o primeiro álbum estava pronto. Eu escrevi essa música quando eu e Kim não estávamos juntos. Nós tínhamos terminado. Isso foi no final de 1998. Eu me lembro que um dia eu estava assistindo a um filme que me inspirou a escrever uma música romântica, mas eu não queria escrever uma música romântica melosa. Tinha que ser alguma merda forte. Embora eu não lembre qual era o filme, eu me lembro de sentir a frustração de nós termos brigado e com uma filha no meio disso tudo. Eu realmente queria derramar meu coração, mas eu ainda queria gritar. Então no mesmo dia que eu vi o filme, eu voltei para o estúdio e mais uma vez fui para a gravação com uma batida perfeita tocando no fundo. Surpreendentemente, ‘Kim’ foi a única faixa do CD que eu não tive nada a ver em termos de produção. O FBT criou a batida e eles já a tinham para mim no estúdio. Quando comecei a escrever essa música, eu pensei que poderia ligar ela a ’97 Bonnie & Clyde’. Então eu decidi fazer uma antecessora. Você nunca deve ter pensado isso, mas eu toquei essa música pra ela quando voltamos a conversar. Eu perguntei para ela me dizer o que ela pensava disso tudo. Eu lembro meu lado idiota dizendo ‘eu sei que essa é uma música cuzona mas mostra o quanto eu me importo com você’. Eu fiz os vocais em uma tomada. O clima que eu queria colocar era de uma discussão que eu e ela poderíamos ter, e julgando a atenção que a mídia deu para esse som, você pode ver que foi exatamente isso que eu fiz… e mais algumas.”

Para a Rolling Stone, Dr. Dre falou sobre a música:

“Em tinha tocado pra ela, e ela disse ter certeza de que ele é maluco. Se eu fosse ela, teria fugido quando eu ouvi essa merda. É exagerada — ele grita na música toda, no entanto ela é boa. ‘Kim’ dá a ele um conceito.”

Na abertura, Em está no quarto de Hailie, a observando no berço. Ele diz algumas palavras amorosas para filha e logo depois surta para começar a atacar Kim:

“Ah, olha a filhinha do papai… a dorminhoca do papai. Ontem eu troquei sua fralda, te limpei e passei talco. Como você ficou tão grande? Eu não acredito, agora você tem 2 anos! Nenê, você é a minha preciosa, o papai tem tanto orgulho de você! Senta aí, vadia! Se você se mexer de novo, eu te arrebento!”

Na primeira estrofe, Eminem grita Kim na casa dela, começando a jogar todas as verdades que o incomodam:

“Não me faça acordar esse bebê! Ela não precisa ver o que eu vou fazer contigo! Para de chorar, vadia! Por que você sempre me faz gritar contigo? Como pode você ter me largado pra amar esse cara do nada? Oh, qual o problema, Kim? Eu estou falando muito alto contigo? Que pena, vadia! Agora você finalmente vai me ouvir! Primeiro eu estava tipo ‘beleza, você quer me jogar fora, tudo bem’, mas não pra ele tomar o meu lugar, você está louca? Este sofá, essa TV, essa casa inteira é minha! Como você pode dormir com ele na nossa cama? Olha pra ele, Kim! Olha para o seu marido agora! (Não!), Eu disse olhe para ele! Ele não é mais tão gostosão, não é? Viadinho! (Por que você está fazendo isso?) Cale a porra da boca! (Você está bêbado! Você nunca vai se safar disso!) Você pensa que eu me importo, porra? Vamos lá! Nós vamos dar uma volta, vadia! (Não!) Senta na frente! (Nós não podemos deixar a Hailie sozinha, e se ela acordar?) Daqui a pouco nós voltamos — Quer dizer, eu vou, você vai estar no porta-malas!”

Quando Em diz que finalmente Kim vai lhe escutar, tem o duplo sentido do real e da personagem. No real, talvez ela não o escutasse, e agora, com essa música pesada, ela finalmente pudesse entender os “sentimentos” dele. E a personagem também vai ouvir alguém louco de raiva por ter sido trocado e traído prestes a cometer uma loucura.

Desde o início, é impossível não se impactar com o conteúdo perturbador e como Eminem grita no microfone, como se fosse realmente uma discussão real! Mais do que rimar e conectar tudo isso de forma que rime e faça sentido, o rapper também interpreta.

O som é quase uma mistura daquelas rádio-novelas com um tema sonoro perturbador. Os detalhes, a emoção, a gritaria de Eminem e como está louco de raiva, o medo da Kim, os traços de psicopatia de Marshall ao se gabar de matar o então marido da ex.

Enquanto eles vão para o carro, chega o refrão:

So long, bitch, you did me so wrong

I don’t wanna go on

Living in this world without you

So long, bitch, you did me so wrong

I don’t wanna go on

Living in this world without you

(“Adeus, vadia, você me fez tão errado; Eu não quero continuar vivendo nesse mundo sem você”)

Em pode estar falando que o relacionamento entre os dois é tão tóxico e abusivo que fez “ele ser errado”, levando a matá-la e também o marido dela e o filho dele. Ao mesmo tempo, mostra como ele está maluco, insano e sem pensar direito, porque ele se despede de Kim porque não vai conseguir viver nesse mundo sem ela, tanto na questão emocional quanto na questão literal, pois vai matá-la. No fundo, rola um pequeno sample de “When The Levee Breaks”, do Led Zeppelin.

Na segunda estrofe, já dentro do carro, Eminem segue discutindo com Kim, relembrando histórias antigas e indo do amor ao ódio de forma totalmente irracional, ficando mais descontrolado ainda:

“Você realmente me fodeu, Kim, você realmente me pegou! Nunca poderia saber que minha traição voltaria para me assombrar! Mas nós éramos crianças, Kim, eu tinha só 18, isso foi anos atrás, eu achei que tínhamos deixado isso limpo! Isso é fodido! (Eu te amo!) Oh Deus, meu cérebro está agitado (Eu te amo!) O que você está fazendo? Troca a estação! Eu odeio essa música! Isso parece uma grande piada? (Não!) Tem um menino de quatro anos morto com uma garganta cortada na sua sala! Haha! O quê, você acha que estou brincando contigo? Você amava ele, não? (Não!) Mentira, sua puta! Não mente pra mim, porra! Qual é o problema desse cara que tá do meu lado? (Eminem quase bate o carro na estrada) Vai se foder, cuzão! É, venha me pegar! Kim? Kim! Por que você não gosta de mim? Você acha que eu sou feio, não acha? (Não é isso!) Não, você acha que eu sou feio (Baby!) Fica longe de mim, porra! Não me encosta! Eu te odeio! Eu te odeio! Eu juro por Deus que te odeio! Meu Deus, eu te amo! Como que você fez isso comigo, porra? (Me desculpa!) Como você pode ter feito isso comigo, porra?”

Quando o CD foi lançado, a parte do “menino de quatro anos” foi censurada. Ela faz uma referência clara ao “97 Bonnie & Clyde”, quando Em rima “No more step da-da, no more new brother” (Sem mais Pa-padrasto, sem mais um novo irmão), confirmando que além do marido de Kim, ele também matou o filho de quem ela era madrasta. Aqui, raiva e amor se misturam, mostrando a insanidade e a vulnerabilidade do eu-lírico, que quer matá-la e amá-la ao mesmo tempo mas não consegue aceitar a rejeição, agindo como um homem mimado e psicopata.

Na estrofe final, os dois saem do carro, onde finalmente Eminem mata ela, cortando a garganta de Kim:

“Venha, saia! (Eu não posso! Eu estou assustada!) Eu disse saia, vadia! (Solta o meu cabelo! Por favor não faça isso, baby! Por favor! Eu te amo! Olha, nós podemos pegar a Hailie e ir embora!) Vai se foder! Você fez isso com a gente! Você fez! É sua a culpa! ‘Meu Deus, estou pirando!’ Controle-se, Marshall! Ei, se lembra aquela vez que a gente foi na festa do Brian e você estava, tipo, tão bêbada que vomitou tudo em cima do Archie? Foi engraçado, não é? (Sim) Foi engraçado, não é?! (Sim!) Olha, tudo faz sentido, não faz? Você e seu marido brigaram, e um de vocês tentou pegar uma faca e durante a luta ele acidentalmente corta o pomo de Adão (Não!) E enquanto isso acontece, o filho dele acorda e caminha até lá, ela fica em pânico, e ele corta a garganta (Meu Deus!) Agora os dois estão mortos e você corta a própria garganta, agora é um duplo homicídio e um suicídio sem bilhete! Eu deveria saber disso melhor quando você começou a agir de forma estranha, nós poderíamos — Ei, onde você está indo? Volte aqui! Você não pode correr de mim, Kim! É só nós, ninguém mais, você só está dificultando as coisas para si mesma! Haha, peguei! Vai, grita! Olha, eu vou gritar com você: ‘Ahh! Alguém me ajude!’ Você não entende, vadia? Ninguém pode te escutar! Agora cale a porra da boca e toma o que vai vir em você! Você deveria me amar! Agora sangre vadia, sangre! Sangre, vadia, sangre! Sangre!”

Apesar das súplicas emocionais e da tentativa de fuga, não teve jeito: Kim finalmente foi assassinada por Eminem. Ele está tão maluco que começa a tentar conectar histórias que não tem nada a ver para tentar justificar os homicídios que cometeu. Como ele mesmo diz, ele está perdendo a cabeça. Perdendo não, perdeu. É daí que veio a inspiração para Stan, assim como tudo isso explica o que aconteceu posteriormente em “97 Bonnie & Clyde”.

A psicopatia é tanta que ele inventa um cenário do crime para tentar não ser pego pelas autoridades, tal qual os horrorcores que ele tanto rima e se inspira. Quando Eminem zomba de Kim por eles estarem sozinhos e que mesmo gritando o mais alto que puder isso não vai servir de nada, ele pode ter como referência os contos de Edgar Allan Poe, mais especificamente o “O Barril de Amontillado”. Lançado em 1846, a história se passa na Itália, onde Montresor é um homem imbuído do desejo de vingança e de emparedar vivo seu desafeto.

Assim como na construção de Poe, em “Kim” fica claro que o protagonista vai conseguir alcançar o objetivo inicial. Quando Montresor vai matar Fortunato, este começa a gritar, desesperado. No entanto, eles estão no fundo das catacumbas e ninguém pode ouvi-los. Montresor debocha da vítima, gritando junto com ela, mostrando o quão inútil isso é na tentativa de salvá-lo, tal qual Eminem e Kim.

“O Barril de Amontillado”, conto publicado por Edgar Allan Poe em 1846. Foto: Reprodução/Internet

Além de Allan Poe, podemos escrever que, ao matar Kim, o eu-lírico Marshall atingiu a catarse típica nas peças gregas. Segundo Aristóteles, a catarse refere-se a purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um trauma. Em passa da loucura para a infelicidade ao matar o amor de sua vida.

Na arte, a catarse é aquilo que provoca “descargas de sentidos e emoções”. Na música em questão, é impossível que o ouvinte não sinta nada ao ouvir um cara maluco e raivoso gritando, xingando, torturando e matando aquilo que ele chama de amor da sua vida.

No final da música, ouve-se o barulho de Eminem colocando o corpo de Kim no porta-malas para sair por aí. A sequência da música é a “97 Bonnie & Clyde” onde o eu-lírico, de forma doce e infantil, explica para a filha de dois anos o que aconteceu naquela noite, além de pedir a ajuda dela para desovar o corpo. Interessante a mudança de personalidade. Marshall está tão maluco que em um momento ele pira e mata a mãe de sua filha para na sequência falar de forma doce e leve de um assunto tão sério para a filha bebê como forma de tentar manipulá-la.

“Kim” até hoje é uma música que provoca muita catarse nas pessoas. É uma composição completamente diferente do que Em tenha feito. Primeiro porque além de ser um rap, Em coloca uma interpretação totalmente passional, o que fica claro nos gritos e no assunto extremamente pessoal. Além disso, como escreve Adam Bradley, citado por Wendell de Oliveira Albino, essa é uma música onde quem está no comando é Marshall Mathers, porque “este é profundamente emotivo. Você ouve o amor e o ódio a si mesmo sendo interpretados em suas lutas pessoais e públicas”

Além do mais, mais do que nunca, como escreve Wendell, em ‘Kim’, ao usar o timbre de voz pertencente a Marshall,

“Eminem reivindica para o rap seu status artístico, integrando teatralidade ao gênero musical. Ao destacar-se por suas performances vocais diferentes, o rapper se assemelha aos poetas trovadores, pois a excelência de sua poética é constituída da soma da escrita com a oralidade.

Portanto, Eminem nos transporta de certo modo à Idade Média, em que a poesia era essencialmente performática, sendo obra realizada de um eu-trovador para um tu-plateia. Sua música é decididamente declamada de forma intensa, causando os mais diversos efeitos sensoriais no ouvinte, percebemos a materialidade, o peso das palavras e sua estrutura acústica.”

“Kim” é uma das composições mais marcantes da carreira do Eminem justamente pelo valor da catarse, a teatralidade e a intensidade colocadas no papel em forma de rap. No entanto, apesar da exaltação da capacidade lírica e das benesses artísticas, é inegável o quão polêmica essa música é. Além de expor a então namorada-esposa ao matá-la mais uma vez, Em joga a filha Hailie, um bebê, no meio do furacão. Como escrevi antes, ao misturar a vida artística com o pessoal, isso foi o começo do quase fim de Marshall Mathers.

Além do mais, nessa letra temos misoginia, feminicídio, violência doméstica, dois assassinatos (incluindo a de uma criança), abuso psicológico e muitas outras coisas. Não foi a toa que os críticos simplesmente caíram em cima do rapper, o acusando de misógino e como alguém que faz discurso de ódio. Devido ao conteúdo da música, ela foi removida do CD na versão “clean”, sendo substituída por “The Kids”.

O álbum aproxima-se do final. Já vimos quase de tudo nesse projeto, mas ainda há tempo para a aparição do D12, o grupo do Eminem. Na música “Under The Influence”, o som prenuncia o que seria o primeiro álbum de estúdio do grupo, que seria lançado no ano seguinte: muita palhaçada e horrorcore.

Ironicamente, ela vem depois de “Kim”, que junto com “Stan”, talvez sejam as composições mais duras e pesadas emocionalmente para se ouvir no CD. Essa é uma música sem sentido, basicamente para responder de forma debochada os críticos do rapper.

É o que o refrão mais ou menos resume: “Então você pode chupar o meu pau se você não gostar da minha merda, porque eu estava chapado quando escrevi isso, então chupa o meu pau!”

Mesmo que a música seja basicamente versos de horrorcore, ainda assim ela tem algumas linhas interessantes. No verso do Eminem, por exemplo, temos:

Two pills I pop, ’til my pupils swell up like two pennies

I’m Clint Eastwood in his mid-twenties

A young-ass man with a trash can, strapped to the back

Of his ass so the rats can’t chew through his last pants

I’m like a mummy at night, fightin’ with bright lightnin’

And frightened with five little white Vicodin pills bitin’ him

(Eu tomo duas pílulas até minhas pílulas incharem como duas moedas de um centavo; eu sou o Clint Eastwood quando ele tinha uns 20 e poucos: um jovem com uma lata de lixo no rabo para que os ratos não roessem suas últimas calças; Eu sou tipo uma múmia de noite, lutando com uma luz brilhante e assustado com cinco píluas de Vicodin que lhe mordiam)

Eminem se compara a Clint Eastwood, o famoso ator e diretor. Quando ele tinha 20 e poucos anos, ele não atuava em grandes papéis. Clint começou a crescer aos 30, quando participou da série Rawhide. Ou seja: Clint era pobre pra caramba quando era jovem e vestia um barril para não sujar as poucas roupas que tinha.

Clint Eastwood antes do sucesso. Foto: Reprodução/Internet

Eminem era mais ou menos isso. A diferença é que é não usava uma lixeira ou um barril (“trash can” rima melhor que “barrel”). Em só começou a explodir aos 27 com o lançamento do “The Slim Shady LP”. Com o passar do tempo, é natural começar a ser famoso bem jovem, o que implica que Eminem começou a ser famoso quando era “velho”.

A rima da múmia na verdade é uma referência a arte da capa do primeiro álbum, onde realmente uma múmia está sendo atacada por pílulas de vicodin, que estão mordendo ela. Além disso, a esquema de rimas do verso do Eminem é muito interessante:

Eminem se compara a múmia assustada pelo ataque de Vicodins na capa do ‘The Slim Shady LP’. Foto: Reprodução/Internet

Na sequência vem os versos dos outros integrantes do D12, cujo temática é a mesma: violência e metáforas do horrorcore. No verso do Swifty McVay, por exemplo, ele diz que está tão doidão que brigaria na Marcha dos Milhões de Homens, que foi uma manifestação pacífica que tinha o objetivo de promover uma imagem positiva dos negros no país, com o discurso de Louis Farrakhan. Mais de um milhão de homens negros foram para Washington protestar contra a degradação sócio-econômica da minoria afro-americana. Swifty está tão louco que ele brigaria até nesse contexto, ele não se importa.

A “Marcha de 1 Milhão de Homens” em Washington, no dia 16 de outubro de 1995. Foto: Getty Images

No verso de Bizarre, está todo mundo tão louco que o DJ ficou em coma por trancar a música. O verso é repetido três vezes, como se tivesse sido travado. A fita é rebobinada e o início da batida assemelha-se muito a abertura de “My Name Is”. Bizarre também utilizou um verso muito comum: a metáfora sobre soltar bombas líricas a contextos de guerra. Ele falou “droppin bombs like i was in Vietnam” (jogando bombas como se estivesse no Vietnã).

Mais recentemente, Kendrick Lamar usou uma versão mais “atualizada” no verso de Control: “droppin bombs like Saddam in this bitch” (Jogando bombas como se fosse o Saddam nessa porra), uma referência a Guerra do Golfo e a Guerra do Iraque.

O verso de Proof, grande amigo do Eminem, é um dos mais técnicos da faixa, como a imagem dos esquemas de rimas pode mostrar abaixo:

Assim como Swifty McVay, Proof é tão mau e doidão que é capaz de brigar numa marcha contra a violência. É o protesto contra o protesto.

No seu verso, Kuniva diz que suas balas vão quebrar os ossos das pessoas na mesma intensidade que as crianças abrem e rasgam os presentes de Natal. Não deixa de ser assustador.

No verso final, de Kon Artis, ele diz que nasceu da mãe dele, é óbvio, mas na verdade é filho das armas. A vida dele é em prol disso.

Vale ressaltar que o D12 tem esse nome porque são doze membros: as seis pessoas e os seis alter-egos deles, que são Slim Shady, Bizarre, Kon Artis, Derty Harry, Swifty McVay e Kuniva. No final da música, Em cita uma linha da música “Chance to Advance”, do EP Underground do grupo, para resumi-los: “mais nojento que uma vadia fedorenta que tem 30 maridos”.

Essa música é basicamente uma introdução para o mundo de quem são e como são o D12, que seria devidamente amplificado no lançamento do primeiro CD de estúdio, o “Devil’s Night”, em 2001.

Agora sim, todo mundo devidamente apresentado, muitas letras polêmicas, doentias, geniais e tudo mais, está na hora de encerrar com chave de ouro o projeto. Assim como em “Still Don’t Give a Fuck”, Em faz uma introdução parecida em “Criminal”, dando ainda mais sentido a ideia de que um CD é a continuação do outro, mas com um enfoque diferenciado.

A música mostra exemplos e é uma forma de Eminem justificar toda a violência e retórica verbal polêmica que trazia tantos admiradores e haters pelo mundo.

Essa ideia de uma continuação, uma espécie de “Still Don’t Give a Fuck” do “The Marshall Mathers LP foi confirmada pelo próprio no livro “Angry Blonde”:

“Criminal’ é o meu novo ‘Still Don’t Give a Fuck’ para o ‘The Marshall Mathers LP’. É por isso que fiz a mesma introdução que fiz em ‘Still Don’t’. É por isso — igual em ‘Still Don’t Give a Fuck’ — que é a última música do álbum. Ela resume o CD inteiro.”

No livro, ele deu mais detalhe sobre a construção da música:

“Depois que fiz ‘Marshall Mathers’, senti que ainda não tinha capturado a sensação do ‘Still Don’t Give a Fuck’. Eu toquei para meu empresário, Paul, e ele disse: ‘É boa, mas ainda não é ‘Still Don’t Give a Fuck’. Mais uma vez, a merda mais divertida acontece quando estou prestes a ir embora. Nós estávamos saindo do estúdio por um dia, porque não conseguíamos pensar mais nisso. Jeff estava no outro estúdio tocando no piano velho dele. Ele estava tocando o violento loop de piano que dá a ‘Criminal’ uma sensação sinistra. Tudo que eu tinha era ‘i’m a criminal’. Eu ainda não tinha preenchido os espaços em branco. Então eu comecei a escrever as rimas e, em vinte minutos, eu estava na porta com um refrão e dois versos na mão. Fui para a casa e terminei o último verso. Depois eu coloquei o skit antes do álbum terminar. A única coisa fodida foi que demorou quase um dia para fazer aquela merda de assalto. Até Dre saiu do estúdio tipo ‘Foda-se, eu tô fora’. Tivemos que convencer Mel-Man a acertar as falas certas, porque ele estava muito bêbado. Ele só tinha que dizer ‘Não mate todo mundo’. Mas o que realmente levou tanto tempo foi o barulho no fundo. Eu fiz essa esquete sozinho. Eu aprendi com o Dre quando gravamos ‘Guilty Conscience’”

Como já foi escrito, na abertura ele faz uma reflexão do sucesso e das polêmicas que se originaram do álbum anterior e, certamente, deste mesmo, já prevendo o sucesso e as críticas que viriam:

“Muitas pessoas me fazem perguntas idiotas pra caralho… Muitas pessoas pensam que o quê eu falo numa música ou o quê eu falo sobre nelas eu realmente faço na vida real ou realmente acredito nisso. Bem, merda, se você realmente acredita nisso, então eu vou te matar! Você sabe por quê? Porque eu sou um criminoso! Criminoso! Você está certo, caralho! Eu sou um criminoso! Sim, eu sou um criminoso!”

A música inteira é sobre Eminem ironizar o entretenimento das letras das músicas dele e o que ele realmente é na vida real. Na primeira estrofe, ele ataca aqueles que o acusam de ser homofóbico e o criticam pelas letras violentas sendo… cada vez mais violento, homofóbico e misógino.

É uma isca irônica que não deve ser levada a sério, como o próprio Eminem já explicitou em milhares de entrevistas e músicas deste álbum (‘Kill You’, ‘Stan’, ‘The Way I Am’) e na abertura desta própria música. Como a mídia e os haters não conseguem fazer essa dissociação, então ele é visto como fosse um criminoso, e é essa a máscara que Em veste em toda a música (na verdade é a máscara do Jason, mas enfim, você entendeu, eu acho):

“Minhas palavras são como uma adaga com uma borda irregular que vai te esfaquear na cabeça, independente de ser bicha, homossexual, hermafrodita ou um transexual que veste calça ou vestido — odeia viados? A resposta é sim! Homofóbico? Não, você que é heterofóbico! Olhando para o meu jeans, de olho nos meus genitais brilhando, essas são as minhas bolas, caralho, é melhor ficar longe delas, elas pertencem ao meu escroto, você nunca as terá! ‘Ei, sou Versace, ops alguém me matou! E eu só estava olhando o ‘correio’? Entendeu, olhando o ‘correio?’’ Quantos CD você pretende vender depois que seu LP lhe levar direto pra cadeia? Qual é, relaxa, cara! Eu gosto de gays, certo, Ken? Me dê um amém! (A-men) ‘Por favor Deus, esse menino precisa de Jesus, cure essa criança, nos ajude a destruir esses demônios e oh, por favor, me dê um carro novo e uma prostituta enquanto minha esposa está doente no hospital!’ Pastor, pastor! Professora da quinta série! Vocês não podem me alcançar, nem a minha mãe, porque eu assisto TV a cabo e vocês não são capazes de parar esses pensamentos, você não pode me impedir de chegar até o topo das paradas e você não pode me impedir de lançar em todo o mês de março um novo CD para esses retardados do caralho! E para pensar, esse é apenas o meu velho eu, ‘Sr. Don’t Give a Fuck’ ainda não foi embora!”

No hip-hop, as palavras são as verdadeiras armas dos rappers. Elas que aniquilam inimigos e conquistam fãs e admiradores. Em diz que elas são tipo uma adaga, uma arma para ele poder matar seus adversários, não interessa se eles são homens, mulheres, trans, gays ou qualquer outra coisa. “Jagged Edge” também é o nome de um grupo de R&B que Eminem é fã, por isso a referência.

Ele mata todo mundo, por isso que ele, ironicamente, se defende da acusação que é homofóbico, ao mesmo tempo que afirma que odeia viados. Como já escrito anteriormente,neste CD Em foi para essa zona de propósito, com o intuito de irritar mais ainda os haters. Como ele já disse antes, ele é tudo o que vocês disserem que ele é, do contrário, vocês não diriam o que ele é. Como as palavras são suas armas, Eminem é um criminoso por atingir a todos, principalmente gays e mulheres.

O fato de ser tão debochado e veementemente preconceituoso nas letras também é uma forma de as pessoas pensarem que ele está sendo tão idiota que não é possível que ele seja realmente tudo isso o que ele clama ser nas letras. É o que rapper diz insistentemente: “Eu não tenho problema com ninguém. O meu verdadeiro que eu está sentado aqui agora falando para você não tem problema com gays, trans e outras coisas.”

A parte das bolas, por mais que seja uma linguagem obscena, também é um aviso de Em para os críticos que ele vai falar o que quiser porque tem coragem pra isso e ninguém vai impedi-lo ou censurá-lo.

O verso do Versace fica melhor quando em inglês: “Hey it’s me Versace, ops somebody shot me! And i was just checkin the mail? Got it? Checkin the male?”

É uma referência para o famoso estilista Gianni Versace, que foi assassinado em 1997 na frente de casa por um suposto amante. A grande sacada genial do verso é a piada que ele faz: Versace estaria supostando olhando para o mail (correio), mas a palavra tem a mesma sonoridade que male (homem). Ou seja: Versace teria sido morto por estar observando outro homem no qual teria um interesse sexual, segundo a piada de Eminem. É um duplo sentido genial.

Sugestão: assistam a série “American Crime Story: The Assasination of Gianni Versace”.

Por ser um criminoso, Em acha que vai ser preso depois de lançar esse CD e fica supostamente em “dúvidas” se vai continuar vendendo discos depois disso. Vale lembrar que, enquanto estava preso, 2Pac liderou as paradas com o lançamento de “All Eyez On Me”, bem como Lil Wayne fez na década seguinte.

Para provar que não é homofóbico, Em pede que seu “amigo”, o personagem gay Ken Kaniff, lhe abençoe, mas na verdade isso é mais uma piada gay.

A “oração” com a voz do Sr. Mackey de South Park é uma ironia e crítica de Eminem para religiosos, políticos e outros hipócritas que criticam suas letras polêmicas mas estão envolvidos em escândalos (sexuais ou políticos) mais graves do que uma música. O Sr.Mackey é um grande símbolo de uma autoridade ineficaz, tal qual alguns hipócritas. Em também critica a hipocrisia dos cristãos, que são contra os homossexuais mas acham desculpas para justificar seus próprios pecados, bem como é um soco num pregador hipócrita que, ao mesmo tempo que tenta purifica e parar com que Eminem faça rimas pesadas e ruins, ao mesmo ele trai a esposa, pede subornos e comete desvios de caráter mais graves que uma música.

Eminem diz que ninguém pode pará-lo ou ensiná-lo, além de criticar a imagem que a mídia faz dele: a de um cuzão imaturo que se recusa a respeitar as autoridades. Ele usa como referência uma linha de “If I Die 2Nite”, do 2Pac: ninguém pode ensiná-los, seja pastores, professores ou a própria mãe.

“Addicted to drama so even mama couldn’t raise me

Even the preacher and all my teachers couldn’t reach me”

Eminem também se defende dele e do rap serem influências ruins para as crianças. Na época, a internet e a TV cabo já estavam se desenvolvendo bastante, então seria inevitável que as crianças pesquisassem sobre toda e qualquer coisa vendo TV a cabo ou acessando sites “proibidos” na internet. Proibir e censurar Eminem ou qualquer outra música não seria suficiente para tentar alienar essas crianças do “mundo lá fora, o dos adultos”. Ninguém vai impedir ele de escrever isso e, como consequência, chegar ao topo das paradas.

O rapper escreveu no Genius que, de fato, a intenção dele era lançar um CD por ano no mês de março, mas obviamente isso não foi pra frente porque ele ficou viciado em drogas e pílulas. Eminem não dá um passo atrás. Por mais que tenha alcançado o sucesso, ele continua sendo o “velho ele”, sem se importar com nada e ninguém. Chega o refrão:

I’m a criminal!

’Cause every time I write a rhyme these people think it’s a crime

To tell ’em what’s on my mind, I guess I’m a criminal!

I don’t gotta say a word, I just flip ’em the bird

And keep goin’, I don’t take shit from no one

(Eu sou um criminoso! Porque toda vez que eu escrevo uma rima essas pessoas pensam que é um crime contar a elas o que está na minha mente, eu acho que sou um criminoso! Eu não falo uma palavra, eu só mostro o dedo e continuo, eu não aceito merda de ninguém)

Eminem simplesmente ironiza achar que escrever sobre assassinatos, estupros, misoginia e homofóbica o torna alguém criminoso. Ele só está exercendo seu direito de se expressar, por mais que alguns o acusassem de gerar um “discurso de ódio”. Toda vez que ele grita “Criminal!” é uma referência para a entonação que Q-Tip, do A Tribe Called Quest, dá na música “Scenario”.

Assim como no “The Way I Am”, Eminem aceita ser visto como um criminoso ou como qualquer coisa que as pessoas o acusem, porque se ele não fosse, ele não seria chamado disso. A vida dele vai continuar, escrevendo essas canções e mostrando o dedo do meio para os haters.

Na segunda estrofe, ele continuava ironizando o fato de ser um criminoso apenas pelas barbaridades que escreve além de, certa forma, explicar o porquê de ser assim: a má influência vinda da mãe, viciada em drogas e bebida:

“A mãe usava drogas, bebidas destiladas, cigarros e o bebê saiu, ligamentos desfigurados, de fato, seria uma semente que cresceria tão louco quanto ela, não ria daquele bebê porque esse bebê era eu! Eu sou um criminoso, um animal enjaulado que ficou louco, mas como você deveria crescer quando você nem foi criado, porra? Então eu fiquei mais velho e mais alto, meu pau encolheu mas minhas bolas ficaram maiores, eu bebi mais líquido para te foder mais rápido do que você quer me foder por eu falar a palavra — Minha moral foi pra baixo quando o presidente recebeu um oral na mesa da Sala Oval pela própria funcionária. Agora, não me ignore, você não pode me evitar, não pode não me encontrar: eu sou branco, loiro, com nariz pontudo, eu sou o cara mau que faz piadas sobre pessoas que morrem num acidente de avião e ri desde que isso não aconteça com ele! Slim Shady, mais louco que Eminem e Kim combinados (Maníaco) Estou no lugar do Doutor porque Dre não pode vir aqui hoje, ele está um pouco mal, então eu tomei o lugar dele (mmmm) Oh, esse é o Dre com uma AK na cara, não me faça matar ele também e espalhar o cérebro em todos os lugares! Eu te avisei, Dre, você deveria ter guardado isso, eu acho que isso vai te ensinar a não me deixar brincar com isso, é? Eu sou um criminoso!”

Em basicamente culpa a criação errática da mãe (e o uso de drogas, remédios e álcool) e o abandono do pai para justificar o fato dele ser tão ruim assim, um criminoso. Slim Shady é um animal enjaulado que vai ficando louco com o passar do tempo. Ele nunca foi educado adequadamente para ser alguém normal e decente.

Essa metáfora do “animal enjaulado” foi utilizada no clipe de “The Monster” muitos anos depois e, assim como em outras canções, ela evidencia “O duplo” na personalidade de Eminem: agora ele é Slim Shady, o resultado direto de pais desnaturados e que tomou a alma de Marshall para desabafar e espalhar o mal pelo mundo porque é assim que ele simplesmente sabe — e foi ensinado — para ser.

Apesar de doidão, maluco e raivoso, Em/Slim jamais seria maluco o suficiente de pronunciar a palavra “nigga”. Sendo branco, isso fatalmente significaria o fim da carreira dele. Em também deixa claro que ninguém tem moral para julgá-lo porque enquanto ele fala as barbaridades usando um eu-lírico, o presidente do país dele mentia sobre não ter um caso com uma secretária.

Ou seja, é aceitável ele fazer e ser perdoado por isso, enquanto é inaceitável um rapper rimar sob um personagem fictício sobre violência ficcional. Isso mostra o quão corrupto e hipócrita é o mundo.

Além das polêmicas que faz, Em diz que é impossível não ser notado porque agora ele é um dos poucos, se não o único, branco que está fazendo sucesso no hip-hop. Portanto, ele sempre vai chamar a atenção. É impossível ignorá-lo. Em brinca no Genius que essa é a quinta vez que ele quer matar Dre, e mesmo assim ele continua sendo amigo do rapper. Slim matar seu mentor mostra o quão louco e criminoso ele é.

No meio do verso, rola uma esquete sobre Slim assaltando um banco. Apesar de combinar com o comparsa que Slim apenas roubaria o banco e fugiria no carro com ele, o eu-lírico não resiste as suas tentações e mata a atendente do banco depois de realizar o assalto e roubar toda a grana do banco. Essa esquete pode ser uma referência para o filme “Kalifornia — Uma Viagem ao Inferno” (1993), onde o personagem de Brad Pitt está assaltando um posto e promete não atirar no caixa, mas não consegue cumprir a promessa.

Depois disso, ele entra no carro e começa a fugir, e a partir daí continua o verso. Ele só usa vidros fumê para assaltar e usar cocaína. Como consequência, ele começa a atirar em todo mundo: testemunhas, vadias, bastardos, crianças, animais de estimação e tudo mais. Slim Shady é tão maluco e doentio que ele diz que “um cachorrinho é sortudo por eu não ter atirado na bunda dele”. Quem atira num cachorrinho? Os últimos versos são um aviso final de Eminem e que resumem todo o CD:

“Vocês frangos filhos da puta não tem coragem o suficiente para falar as coisas que eu falo, então tapem a boca! Merda, metade do que eu falo eu apenas invento para te deixar bravo, então beija minha bunda branca pelada! E se eu não fosse um rapper que fizesse isso, eu seria a porra de um estuprador com uma máscara do Jason!”

Slim reclama daqueles que enchem o saco dele pelas suas letras e também daqueles que pensam a mesma coisa que ele mas não tem coragem de falar com medo de se queimar com a opinião pública. Como Em disse no CD inteiro e em inúmeras entrevistas e biografias, grande parte do “The Marshall Mathers LP” tinha como objetivo dobrar a aposta do álbum anterior, que era falar mais barbaridades ainda para irritar ainda mais os críticos e haters.

Isso tudo gera uma publicidade. Ou seja: os próprios críticos e haters, ao repercutir seus raps, estão fazendo o trabalho sujo de promover o CD dele. Quem ganha com isso é o rapper com notoriedade, vendas e mais fãs. Ele resumiu isso numa entrevista para a ‘Spin’:

“Vocês não estão vendo que eu falo essas merdas só para ressurgir diante de vocês? Vocês estão me deixando ganhar!”

Se não fosse o hip-hop, Eminem talvez estaria até hoje em vários sub-empregos tentando desesperadamente criar a filha Hailie. Ao terminar a última linha do álbum falando que se desse errado ele seria um estuprador com uma máscara do Jason é uma forma insana e até divertida de Slim Shady alegrar seus ouvintes, como se fosse uma violência de desenho animado, apesar das inúmeras críticas e protestos.

“Criminal”, além de ser uma continuação de “Still Don’t Give a Fuck” para o atual álbum, pode ser também uma continuação de “Kill You”, não a toa um abre o CD e o outra fecha o projeto. Se no início Slim diz que vai matar todo mundo (e mata), então a consequência disso é que ele é um criminoso, certo?

Slim reforça o quanto iria xingar (e xingou) todo mundo com muito mais intensidade e agressividade do que em relação ao álbum anterior de propósito, para chocar as pessoas e mostrar que ainda existia muita raiva naquele corpo, mesmo que tenha começado a ganhar dinheiro e reconhecimento.

É assim, que de forma potente, verborrágica e polêmica, termina oficialmente o “The Marshall Mathers LP”.

No entanto, como já escrito antes, Kim foi cortada da versão “clean” do CD em virtude de seu conteúdo lírico. No lugar dela, Em adicionou, apenas para essa versão, a música “The Kids”.

Para substituir uma música que fala sobre como ele matou o amor de sua vida, Em escreve algo que vai na contra-mão do conteúdo de quase todo o CD: “crianças, não usem drogas! Deixem isso para mim!”

Como se fosse um episódio de South Park, Slim Shady é o professor da aula de combate às drogas, que tem as participações de Eric Cartman, Mr. Mackey e Wendy Testaburger.

A música começa com o diretor do colégio entrando na sala e avisando que, excepcionalmente naquele dia, o senhor Shady seria o professor substituto do senhor Keniff, que está com pneumonia. No fundo, um aluno diz que ele tem AIDS. É uma clara sátira ao personagem Mr. Garrison, o professor de South Park que é gay, assim como o personagem de Em, o Ken Kaniff. Por ser gay, o aluno diz que ele tem AIDS e o diretor está tentando proteger a privacidade de Kaniff ao dizer que ele está com pneumonia.

“The Kids”: Slim Shady vira o professor substituto da turma de “South Park”. Foto: Reprodução/YouTube

O irônico é que, anos depois, o próprio staff de Eminem disse que havia sido internado no hospital em virtude de uma pneumonia e descobriu-se apenas no lançamento do “Relapse” que na verdade Marshall havia tido uma overdose de metadona.

Na primeira estrofe, o professor Shady fala sobre os malefícios da maconha e conta a história de Bob, um viciado na planta:

“Bob tem 30 anos e ainda mora com a mãe, ele não tem um emprego porque Bob fica em casa fumando maconha mas o irmão de 12 anos olha pra ele com muita admiração. E o Bob gosta de ir na casa de waffles e esperar as garçonetes no estacionamento depois do expediente. Quando está tarde e o estacionamento fica escuro, ele finge que vai passear com o cachorro dele, arrasta-as pela floresta e vai direto para os blocos de cortar e mesmo que elas escapem e vão para a polícia, elas poderiam ficar com tanto medo que elas poderia retirar a acusação. Até que uma noite a senhorita Stacey saiu do trabalho, quando ela sentiu alguém segurou o rosto dela e falando para ela não dizer nada, mas Stacey sabia que era o Bob e disse ‘saí daqui!’, mas Bob não saiu, porque ele é louco e fora da casinha, mais louco que o Slim Shady sem vodka, você nem poderia levar para Dre para que Bob tenha um doutor. Ele agarrou Stace pelas pernas enquanto a esquartejava e jogava ela no lago para os policiais encontrarem. Mas desde o dia que Stacey saiu para passear eles nunca a encontraram, e Bob ainda fica na casa de waffles. E essa é a história de Bob e sua marijuana, e isso é o que ela pode fazer com você, então veja se os esquilos querem alguma coisa — é ruim para você”

De um jeito distorcido, Shady tenta dizer para as crianças não fumarem maconha porque se elas fizerem isso, elas podem sair por aí matando pessoas. Não é bem verdade, mas é o que tentaram fazer com ele pelas letras polêmicas que escreve. Não é a música ou a droga que faz o efeito, e sim, no fundo, são apenas crianças mentalmente instáveis. Usar a música ou qualquer outra coisa como muleta é apenas jogar a sujeira para debaixo do tapete.

Chega o refrão:

See, children, drugs are bad (Come on)

And if you don’t believe me, ask your dad (Ask him, man)

And if you don’t believe him, ask your mom (That’s right)

She’ll tell you how she does ’em all the time (She will)

So kids, say no to drugs (That’s right)

So you don’t act like everyone else does (Uh-huh)

Then there’s really nothin’ else to say (Sing along)

Drugs are just bad, mmkay?

(Vejam, crianças, drogas são ruins; E se não acreditam em mim, pergunta para seu pai e sua mãe; ela vai te dizer com ela usa o tempo inteiro; então crianças, digam não para as drogas, então você não vai agir igual os outros fazem quando não tem realmente o que dizer, as drogas são ruins, mmkay?)

“Drugs are bad, mmkay?” é um bordão do Mr.Mackey, um dos professores de South Park. Em fala com a mesma tonalidade para imitar e debochar. Ao mesmo tempo que a música serve para conscientizar as crianças para que não usem drogas, ela é escrita de uma forma que mesmo “educativa” não seria aprovada pelos pais das crianças, que criticam suas letras e por glorificar o uso de drogas nas composições.

Na segunda estrofe, Em conta a história de Zach e os perigos do ecstasy. A construção em terceira pessoa assemelha-se muito a narrativa do narrador de “Guilty Conscience”, do álbum anterior:

“Conheça Zach, de 21 anos. Depois de sair com alguns amigos em uma festa da fraternidade, ele fica ousado e decide tomar cinco, quando ele é pressionado por cinco caras, e a pressão dos colegas vai ganhar sempre que você tentar combatê-la. De repente, ele começa uma convulsão, seus pulsos aceleram e seus olhos reviram no crânio, suas costas começam a ficar iguais aos arcos do McDonald’s. Ele está deitado no tapete do Donald, vomitando na horizontal e todo mundo no apartamento começa a rir dele: ‘Ei Adam, o Zach é um idiota, olha pra ele!’ porque eles usaram também, então eles acham que é engraçado, então eles estão rindo basicamente do nada, exceto talvez por estarem perdendo o dinheiro deles. Enquanto isso, Zach está em coma, a ação acabou, suas costas e ombros estão curvados como se ele estivesse fazendo ioga. E essa é a história do Zach, o maníaco do ecstasy, então nem dê isso para os esquilos, turma, porque faz mal para você”

A narrativa de Eminem frisa alguns dos efeitos do uso de ecstasy, como o enrijecimento e dores na musculatura dos membros inferiores e coluna lombar e os vômitos.

Além disso, os usuários dessa droga sentem aumento do estado de alerta, maior interesse sexual, sensação de bem-estar, grande capacidade física e mental, euforia e aumento da sociabilização e extroversão.

“Após o uso da droga ocorrem alguns efeitos indesejados, como aumento da tensão muscular e da atividade motora, aumento da temperatura corporal, enrijecimento e dores na musculatura dos membros inferiores e coluna lombar, dores de cabeça, náuseas, perda do apetite, visão borrada, boca seca, insônia, grande oscilação da pressão arterial, alucinações, agitação, ansiedade, crise de pânico e episódios breves de psicose. O aumento no estado de alerta pode levar à hiperatividade e à fuga de ideias. Nos dias seguintes ao uso da droga o usuário pode ficar deprimido, com dificuldade de concentração, ansioso e fatigado.”

Esses são alguns dos malefícios do ecstasy, mas existem muito mais coisas. Só pesquisar por aí no Google. Não use!

No último parágrafo, Shady ensina para os alunos os perigos das drogas alucinógenas (“cogumelos mágicos”, LSD e afins):

“Por último, mas não menos importante, um dos maiores problemas dos jovens hoje são os fungos. Eles crescem do estrume de vaca. Eles pegam, limpam e guardam, daí você bota na boca e mastiga. Yum yum! Então você começa a ver algumas coisas idiotas e tudo fica mais lento quando você come alguns deles, e as vezes você vê coisas que não estão ali (Tipo o quê?)tipo mulheres gordas de tanga e cabelo laranja (Sr. Shady, o que é tanga?) É um fio, Claire, as mulheres colocam na bunda e saem usando (O quê?) e se você engolir muitos cogumelos mágicos, ops, eu disse cogumelos mágicos? Quis dizer fungos, sua língua fica toda inchada igual a uma língua de vaca (Como assim?) Porque vem do cocô da vaca (Nojento!)Veja, drogas são ruins, é um fato, mas seus pais sabem que eu só sou bom nisso, mas não sejam igual a mim, porque se você crescer assim, vai ter uma overdose, eles vão vir pra cima de mim e eu vou ter que deixar crescer um cavanhaque, pegar um disfarce e fugir, porque a culpa vai ser minha, então não usem drogas, e façam exatamente aquilo que eu não fizer, porque eu faço mal para vocês”

Uma forma de fazer com que as crianças não se interessem pelos alucinógenos é falar que ele vem do cocô da vaca, o que é nojento. Assim, a maioria delas não se atreveria a fazer algo tão nojento e perigoso. Ao mesmo tempo que passa uma mensagem “positiva” para as crianças mas do seu jeito “Shady”, Em rima no final do verso para que as crianças justamente não façam tudo o que ele fala, porque senão elas vão ficar igual ele, o que não é bom. É um recado parecido com o que ele disse em Stan, mesmo que agora seja a persona Shady no comendo das ações.

Ao mesmo tempo, Shady parece se recordar de uma história passada. Ao abordar os cogumelos, não é difícil lembrar da música “My Fault” no projeto anterior, onde ele se sente culpado pela garota ter sentido as consequências ruins do uso da droga. Ele não quer que isso se repita com seus alunos, “conscientizando-os” com sua própria (tanto lírica quanto literal).

“The Kids” é uma forma debochada e satírica de Em, aquele que só traz maus exemplos, conscientizar as crianças sobre o perigo das drogas. Mais uma vez, ele avisa os fãs mais radicais que não é para levar tudo a sério o que ele fala nas letras, agora sob a persona de Shady. Por mais que a ideia seja boa, o conteúdo pode ser agressivo, fazendo com que os pais sempre reclamem de Eminem, independente das intenções e ações que ele faça com a caneta.

Assim como em um verso de ‘Marshall Mathers’, Em usou como referência a famosa série South Park, da qual ele já disse ser fã em várias entrevistas. Para Raul Pimentel, do site Raplogia, a influência da série nas letras do rapper podem ter dois motivos: o personagem Kenny é um branco pobre que vive em péssimas condições e em um ambiente familiar complicado, assim como o estilo politicamente incorreto de Eric Cartman (no qual ele se referiu como um Cartman magro de 26 anos), recheado de polêmicas, desrespeito e intolerância.

Raul Pimentel também escreve que Eminem e South Park são criações que seguiram a mesma linha de ousadia, pelo menos no início da carreira do rapper. A violência e as polêmicas escritas em tom cartunesco basicamente tornaram a música dele, em certo ponto, uma versão musical do seriado, que mesmo que seja um desenho, também é bastante polêmico igual os concorrentes (Simpsons e Family Guy, por exemplo).

Com essa versão extra no CD limpo, agora sim estamos finalizados com o ‘The Marshall Mathers LP’. Como será que os fãs e a imprensa reagiram a tudo isso? Qual foi o impacto deste álbum no mundo da música?

CRÍTICAS

O recorte que será feito aqui é baseado nas publicações feitas na época do lançamento do CD e também do livro “Whatever You Say I Am”, do Anthony Bozza.

A revista “Rolling Stone” elogiou a produção de Dr. Dre e o estilo lírico variado de Eminem, resumindo o álbum como “uma gravação de um acidente de carro: alto, selvagem, fora de controle, grotesco, perturbador, mas, no final das contas, cativante”. Melody Maker caracterizou a visão surpreendentemente intensa de “autoconsciência do rap” é verdadeiramente única. Steve Sutherland, da “NME”, elogiou o CD como um ataque “misantrópico e cansativo de um gênio lírico” que critica aspectos malévolos da sociedade contemporânea.

Chuck Eddy, do “The Village Voice”, escreveu que Eminem é apoiado por uma música atraente e exibe uma qualidade emocionalmente complexa e inteligente ao contrário do projeto anterior. Robert Christgeau chamou de “excepcionalmente espirituoso e musical, discernivelmente atencioso e de bom coração, indubitavelmente perigoso e cheio de merda”, enquanto o CD era “uma obra de arte cujo imenso valor de entretenimento não compromete suas sugestões de patologia, que são ambas pessoais e políticas”. Will Hermes, do “Entertainment Weekly”, escreveu que esse foi o primeiro CD de música popular significativo dos anos 2000: “’The Marshall Mathers LP’ é indefensável e a prova de críticas, hipócrita e comovente, impossível de ouvir e inegável”.

Por outro lado, teve também quem não gostasse, sobretudo diante das rimas polêmicas e dos assuntos abordados por Eminem no CD. Robert Hilburn, do “Los Angeles Times”, criticou o excesso de homofobia nas letras. Steve Jones, do “USA Today”, também bateu nessa tecla de que “os ataques líricos cruéis e patenteados quase ficariam tediosos se ele não fosse tão inventivo quanto insípido”. A “Revista Q” acredita que o álbum não é agradável de se ouvir, mesmo que as letras desajustadas e niilistas possam ser provocativas.

Sal Cinquemani, da “Slant Magazine”, foi bastante incisivo: “Pior do que a homofobia de Eminem é a imaturidade que ele apresenta”. A “Spin” achou os raps excelentes, embora algumas faixas fossem comuns e sem brilho.

No livro do Anthony Bozza, ele também compilou outras avaliações críticas pontuadas naquele período:

“A imprensa foi dividida, entre si e dentro de si, pelo Eminem: ‘ofenda seu congressista’ (“Time”); em ‘The Marshall Mathers LP’, ‘com todos os valores de produção e habilidades que o dinheiro pode comprar’(“ Billboard “); que ‘não é apenas uma piada distorcida; a fachada sociopática do rapper mascara as duras dores de sua infância dickensiana’(“ Newsweek “). Foi ‘o primeiro álbum de hip-hop a ter atenção universal’ (www.salon.com); que ‘contém as letras mais flagrantemente ofensivas e homofóbicas que a Aliança Gay e Lésbica Contra a Difamação já viu em muitos anos’ (pronunciamento do GLAAD). Também estava ‘perigosamente perto de ser um clássico’ (“Vibe”), um ‘curso exaustivo de assalto à genialidade lírica’ ​​que ‘de alguma forma parece completamente conversacional, o cenário musical (calypso / Caribe, etéreo gótico, discoteca em evolução para PM Dawn) ) é frequentemente, de todas as coisas, bonita ‘(“ Village Voice); um álbum que ‘nada sobe acima do nível de insultos no vestiário — quase todas as músicas parecem apresentam Eminem dando a alguém o dedo’(“ New York Magazine “). Continha ‘algumas das descrições mais explícitas de violência de todos os tempos para entrar na casa das pessoas’(Organização Nacional para Mulheres, declaração pública), mas era ‘engraçado quanta controvérsia pode surgir sobre um álbum que, musicalmente, não é tudo que digno de nota … o que poderia ter sido uma afirmação brilhante eleva Eminem ao ar rarefeito de verdadeiros rappers de platina, ou seja, aqueles que lançam rimas pendentes sobre batidas frustrantemente medíocres’(“ Spin “), uma condição que simplesmente ‘não é muito divertido desta vez, não importa o quão recente seja a batida de Dre’(“ LA Weekly “). No final, ‘há ainda menos sentido moralizador sobre este do que o último’ (“Village Voice”, Robert Christgau), e ‘Marshall Mathers é música sobre o que um homem que não sabe, nem sabe se ele quer saber, e nessa estrada tudo pode acontecer’(“ Entrevista “, Greil Marcus)

Anthony Bozza fez uma colocação interessante. Mais do que mostrar quem realmente é Marshall Mathers, o homem por trás de Eminem e Slim Shady, o CD ajuda a explicar, de forma quase didática, como e porque o rapper virou uma das pessoas mais controversas daquele período:

“’The Marshall Mathers LP’, mais que o álbum de estréia de Eminem, antecipou e assumiu — e com razão — a fama e a infâmia que se seguiram. O tema do álbum não é um olhar mais atento a Marshall Mathers, o homem, como o título sugere, mas uma explicação, crítica e visualização de como e por que ele é o homem mais incompreendido dos Estados Unidos. Eminem aponta seus modos deliberadamente inflamatórios, mas ele também se interpreta, Slim Shady e Marshall Mathers, como logo seria visto pelo mainstream — como um e o mesmo, um criminoso moral, uma ameaça aos olhos da nação, não como um artista, mas como um papel Pied quem as crianças amam e os pais temem. Nesse sentido, o álbum é apropriadamente intitulado: Após seu lançamento, Marshall Mathers foi o homem responsável.”

O segundo álbum de estúdio de Eminem foi aguardado com muita expectativa. Depois de uma ascensão basicamente sendo um palhaço polêmico e engraçado, onde o mundo conheceu quem é Slim Shady, o desafio era dar um passo adiante. A repetição do humor cartunesco poderia soar como algo limitado e sem criatividade. Por isso, esse CD, mais do que a solidificação de uma estrela em ascensão, é também, um recorte mais sombrio de tudo o que passava na cabeça de Marshall Mathers: traumas pessoais, familiares, medo do futuro, o presente, a ascensão e o início das consequências disso.

“O instantâneo da vida privada de Eminem sugerido no ‘The Slim Shady LP’ cresceu em uma colagem detalhada no ‘The Marshall Mathers LP’. Foi-se o clima predominante de ‘The Slim Shady LP’, o zaniness alegremente violento. ‘The Marshall Mathers LP’ raramente é tão perseverantemente otimista. Exala uma escuridão crua, ao mesmo tempo um desafio e defesa dos olhos do mundo que Eminem começou a sentir nele. As artimanhas de sua estréia ganharam a atenção do palhaço que ele desejava; para melhor e para pior, ele agora tinha mais do que precisava.”

“Eminem falou de situações que muitos de seus fãs compartilhavam — lares desfeitos, empregos sem saída, excesso de drogas — enquanto explorava emoções tabus que muitos não podiam enfrentar — ódio dos pais, ódio de gênero, auto-aversão. Eminem era o anti-herói que emboscou o show pop.”

REPERCUSSÃO

Além do sucesso da crítica, ‘The Marshall Mathers LP’ foi um estrondoso sucesso comercial. Logo na primeira semana, ele vendeu 1.75 milhão de cópias, sendo um recorde de um artista e também no rap. Esse número foi superado apenas em 2015, quando o “25” da Adele vendeu 3 milhões.

Durante um mês, foi um dos poucos álbuns que vendeu no mínimo 500 mil cópias semanais e ficou dois meses na liderança da Billboard. No fim daquele ano, foi o segundo CD mais vendido nos EUA, com 8 milhões de cópias.

Vinte anos depois, em uma revisão atualizada, ‘The Marshall Mathers LP’ vendeu mais de 10 milhões de cópias nos EUA e quase 30 milhões no mundo todo. É o segundo CD de rap mais bem sucedido comercialmente na história, apenas perdendo para o “Speakerboxxx/The Love Below”, do Outkast.

Músicas como “The Real Slim Shady” e “Stan” viraram os grandes hits do álbum, o que obviamente deu ainda mais visibilidade para o projeto. O primeiro single tornou-se um viral na MTV e entre os jovens tal qual ‘My Name Is’, fazendo Em ganhar vários prêmios. “Stan” fez Em cantar no Grammy com Elton John e até hoje é considerada uma de suas melhores composições, tendo virado até um verbete no dicionário.

Eminem foi o grande destaque do VMA 2000, levando pra casa os vídeos de “Música do Ano”, “Melhor Performance Masculina” e “Melhor perfomance de Rap”. Foto: Reprodução/MTV

As grandes vendas vieram de grandes críticas e questionamentos. O fato de Em tornar-se muito popular e ganhar dinheiro e reconhecimento incomodou muitos órgãos, como se a homofobia, misoginia e machismo fossem glorificados também pelo mundo do entretenimento.

No dia do Grammy, em 2001, o NOW e o GLAAD fizeram protestos na frente do Staples Center contra o fato de Eminem ter sido indicado para tantos prêmios e ainda cantar no evento.

“Com as indicações ao Grammy de Eminem vistas como um selo de aprovação, muitas outras pessoas deram um passo à frente para expressar sua indignação. Mulheres jovens, pais, pessoas de todas as persuasões políticas estão escrevendo para o NOW, perguntando o que podem fazer. Enquanto Eminem continua a ganhar muito dinheiro para muitas pessoas, ele provavelmente estará em toda parte. Mas certamente podemos envergonhar aqueles que lucram e promovem ele, sua música e seus amigos.”

O GLAAD se pronunciou no mesmo tom:

“Embora Eminem certamente tenha liberdade de expressão para fazer o que quiser, é irresponsável que a Universal /Interscope Records como empresa produza e promova esse material difamatório que incentiva a violência e o ódio. Isso é especialmente negligente quando se considera que o mercado dessa música é considerado adolescente do sexo masculino, o mesmo grupo que comete estatísticamente o maior número de crimes de ódio.”

A questão Eminem chegou até a Casa Branca. Dias depois de ter feito uma apresentação histórica no VMA e ter vencido vários prêmios, incluindo o de clipe do ano com ‘The Real Slim Shady’, Lynne Cheney, a esposa do então vice-presidente americano Dick Cheney, criticou o rapper e seus patrocinadores por “promover violência degradante contra as mulheres” : “Ele fala sobre matar e estuprar a própria mãe. Ele fala sobre estrangular as mulheres por um longo tempo para que elas gritem mais. Ele fala sobre usar o facão do O.J. em mulheres. É isso que a indústria fonográfica está premiando”, disse, falando especificamente sobre ‘Kill You’.

Lynne Cheney: a esposa do então vice-presidente americano Dick Cheney foi uma das que mais criticou Eminem pelo conteúdo lírico de suas letras no ‘The Marshall Mathers LP’. Foto: Reprodução/Internet

Ela também falou que artistas como Eminem e Marilyn Manson contribuem para a cultura de violência nos Estados Unidos, pedindo para que as gravadoras coloquem selo de restrição de idade, para que assim os mais jovens não tenham acesso as músicas violentas.

Bem, a música do Eminem e do Marilyn Manson certamente não foram feitas para as crianças ouvirem. Se elas escutam, então o problema é quem deixa isso chegar até eles. Enfim…

Um estudo realizado entre 2001 e 2004 por Edward Armstrong mostra que 11 das 14 músicas do álbum contém letras violentas e misóginas; 9 retratam a morte de mulheres por asfixia, facadas, afogamentos, tiros e cortes na cabeça e garganta. De acordo com o estudo, Eminem alcança 78% de misoginia violenta em suas letras, enquanto que a média do gangsta rap é de 22%.

Armstrong argumenta que a misoginia violenta caracteriza a maior parte da música de Eminem e que o rapper “autentica suas auto-apresentações superando outros rappers gangsta em termos de sua misoginia violenta”. Em setembro de 2015, um adolescente foi preso após postar uma foto com várias armas e versos da música ‘I’m Back’, dando a entender que realizaria um ataque em alguma escola no estilo Columbine.

Além da improvável parceria com Elton John no Grammy, Em também teve outros defensores surpreendentes e que não tinham nada a ver com o assunto. Um exemplo disso é Madonna, em uma entrevista para o ‘Los Angeles Times’:

“Desde quando a linguagem ofensiva é uma razão para ser impopular? Acho a linguagem de George W. Bush muito mais ofensiva. Gosto do fato de que Eminem é impetuoso, irritado e politicamente incorreto. Pelo menos ele tem uma opinião. Ele está agitando as coisas, ele está fazendo o sangue das pessoas ferverem, ele está refletindo sobre o que está acontecendo na sociedade agora. Isso é o que a arte deveria fazer. Afinal, ele é apenas um garoto.”

Eminem, é claro, se defendeu das críticas e acusações, além de falar sobre o sucesso do álbum e o fato de ter se tornado definitivamente uma estrela:

“A controvérsia não me surpreendeu. Eu sabia que havia algo por vir. Ainda não sabia exatamente o que era, mas Dre me disse que era melhor eu me preparar para alguma merda. Ele estava tipo ‘você vai passar por isso. Acredite em mim. Passei por isso com a NWA.’ Mas eu não tinha idéia de que tudo isso iria acontecer. Você sabe, vender todos os discos que vendi no ‘The Marshall Mathers LP’ foi estranho para mim. Não que eu me sinta indigno ou algo assim, mas eu estava apenas tipo, ‘Puta merda, esse sou eu fazendo isso’. Essa é a maior coisa mais estranha de se viver. Eu não tinha escolha a não ser me acostumar com isso. Mas ainda é estranho.”, disse no livro “Whatever You Say I Am”.

“TEVE UMA ÉPOCA DE LOUCURA. EU NÃO PODIA IR A LUGAR ALGUM SEM SER ASSEDIADO. Eu tentava me lembrar de como era ser um fã, assinava o maior número possível de autógrafos. Tentava fazer algo diferente em cada autógrafo, mas a medida que foi crescendo, foi difícil manter a originalidade. Depois comecei a escrever coisas como ‘Fique firme’e ‘Continue legal’; para as mulheres escrevia coisas como ‘Continue linda’; apesar disso, gostava de assiná-los. Tinha hora que ainda me pegava não acreditando que estava fazendo isso.”, escreveu no livro ‘The Way I Am’.

CONCLUSÃO

A mídia e os haters fizeram exatamente o que Eminem queria: lhe dar mais visibilidade e, assim, fazer propaganda quase de graça do seu álbum, baseado nas polêmicas que escreveu. Enquanto o mundo debatia se Eminem era um misógino, machista, homofóbico e responsável por influenciar negativamente as crianças e contribuir ainda mais com o feminicídio e a violência em geral, o rapper colhia os frutos de um trabalho lírico genial que lhe deu muito mais fãs do que qualquer outra coisa.

Como tudo que faz sucesso começa a ser minuciosamente estudado e explicado pelos outros para que isso faça algum sentido, os EUA pós-Columbine elegeram Eminem como um bode expiatório, um grande expoente para as coisas ruins que estavam acontecendo no país naquela época e ninguém parecia ter uma resposta concreta. A competição era tentar convencer mais, criando milhares de inimigos, como as músicas, os jogos de videogame e computador, programas de TV, entre outros.

Foi mais ou menos isso que Anthony Bozza descreveu no seu livro “Whatever You Say I Am”:

“Apenas um ano depois que Dylan Klebold e Eric Harris mataram doze alunos e um professor em uma série de tiroteios na Columbine High School, em Littleton, Colorado, a cultura dominante ainda procurava bodes expiatórios na sociedade. As pessoas não estavam preparadas para um artista tão diretamente confrontador a ponto de fazer rap sobre suas metralhadoras roubadas e casacos pretos (“Remember Me?”) ou o cinema de assassinato sonoro de uma música como “Kim”. Eminem passava o ano se explicando criticando todos os outros: pais que preferem culpar o entretenimento a reconhecer suas deficiências, a mídia que julgou um artista por suas palavras fora de contexto e todos incapazes de digerir mais uma peça complexa de entretenimento tão violenta quanto um filme para maiores de idade.”

‘The Marshall Mathers LP’ fez Eminem dar o segundo passo. Não era apenas uma promessa loira que fez apenas um hit, ele tinha muito talento para mostrar. Ao mesmo tempo que tinha ‘Kill You’, ele tinha ‘Stan’. Ao mesmo tempo que falava sobre ‘The Real Slim Shady’, ele mostrava a honestidade brutal e doentia de Marshall em ‘Marshall Mathers’, ‘The Way I Am’ e ‘Kim’.

Foi o CD que botou Eminem no topo e o transformou num artista pop mesmo ser, que deu para o hip-hop a atenção que ele merecia mas que, como todos sabem, só teve porque o rosto era branco e o cabelo era loiro.

Particularmente, não acho esse o melhor álbum de Eminem, mas está na prateleira dos melhores. A importância desse legado é brutal. Esse período específico do tempo e a raiva que o rapper tinha é que fizeram toda a diferença para criar um álbum que ultrapassou as barreiras do rap e é atemporal.

Fazem 20 anos, mas Eminem explora e ataca os mesmos assuntos que hoje são muito mais debatidos em virtude das redes sociais e suas consequências: o aparecimento de inúmeros gatekeepers morais que apontam os bodes expiatórios da sociedade para justificar o mal no mundo.

É difícil ter uma resposta para o ‘e se ele fosse lançado nos dias atuais?’ Ele foi lançado no momento e no timing certo. Sem isso, Eminem não seria o que era, certamente. No CD, ele deixa claro, através do eu-lírico, estratégias e repetições que acontecem até hoje com diversas figuras da mídia e em diferentes segmentos: o ataque e a persona. Será que ele é tudo isso mesmo que ele diz? Se ele fosse eu não diria, certo? Toda publicidade é boa, até a má.

É possível escrever sim que Eminem é muito grande também pelos ataques de seus detratores. Quando mais eles batem, mais eles crescem. Quanto mais eles falam de sua música, mais ele atrai fãs ou curiosos que escutam o som dele para ver se ele é realmente tudo isso que falam. Não te parece familiar? No ‘The Marshall Mathers LP’, Em faz uma jogada genial e escancara que o motivo do sucesso dele se deve, em grande parte, a aqueles que se dedicam exclusivamente para tentar derrubá-lo, mas que na verdade estão apenas ajudando-o.

Ele falou sobre a relação com os haters e a imprensa para o Anthony Bozza:

“A verdade é que, no final das contas, eu realmente não me importo com o que as pessoas dizem sobre mim, porque são pessoas como eu que dão a metade dessas pessoas seus empregos. Elas mantêm seus empregos se tiverem algo sobre o que escrever, e se eles escrevem sobre algo bom o tempo todo, não vendem jornais, não vendem revistas e não fazem nome para si mesmos.Todos sonham em ser escritores famosos e vão fazer o que for preciso e o que for necessário para dar um tapa na porra de uma manchete nos jornais que diz ‘Adolescentes se matam por causa das letras de Eminem’, eles fazem. É isso que vai vender jornais e revistas, e é por isso que fazem isso. No final das contas, isso realmente não importa para mim. Você sabe, é meio engraçado. Eu não poderia ter me vendido a metade dessas crianças como a imprensa a fez.Se eles escreverem que o álbum do Eminem fará com que as crianças matem e caguem, eles vão comprar o álbum para ver o que é isso. E você sabe, não é nada além de música”.

No início de um novo século, Eminem tornou-se personagem principal de um novo país que estava surgindo: uma mistura étnica, cultural, política, social e comportamental diante das novas tecnologias que surgiam e, que permitiam cada vez, o livre acesso a quase tudo.

Mesmo que a TV e a mídia ainda fossem a fonte principal, ali foi o começo do entendimento sobre quem era Marshall Mathers, Eminem e Slim Shady. Mesmo que eles se misturem e sejam diferentes, no fundo eles são um só, como o rapper percebeu anos depois.

Em era a subdivisão do país e também o símbolo da convergência cultural: um branco criado na parte mais pobre de Detroit, que cresceu ouvindo hip-hop e teve que enfrentar essas barreiras raciais até o momento em que a barreira virou, de certa forma, um trunfo que se espalhou pelas casas de classe média que endossaram o movimento ao ver sua cor de pele, cabelo e atitude. Anthony Bozza escreveu sobre isso no livro “Whatever You Say I Am”:

“Eminem personifica as subdivisões da América — negro, branco, cidade, subúrbio — e a convergência cultural flexível de raça identificada nos Estados Unidos. Acima e além de seus dons como músico, Eminem é uma barra de iluminação para debate, projeção e conjectura, porque ele é uma personificação do que está acontecendo, o exemplo mais visível e mais completo de uma evolução complexa. Como tantos artistas importantes que representam seus tempos, Eminem não fez campanha por esse papel, ele está apenas refletindo as influências que o formaram e os tempos em que vive. O hip-hop para Eminem foi uma fuga de sua vida — literal e figurativamente — como é para muitos outros todos os dias. Ela une garotos do centro da cidade que ouvem sua realidade refletida nas letras dos mesmos rappers negros que soletram para garotos do subúrbio, ricos e pobres, como escapar de qualquer prisão real ou imaginária que os mantenha. A alienação da sociedade, uns dos outros e de nós mesmos não conhece fronteiras e nem a arte que a reflete. Nessa característica, oferece alguma salvação.”

‘The Marshall Mathers LP’ cumpre o papel de mostrar a persona Marshall por trás de Eminem e Slim Shady sem a exclusão deles, até porque, como escrevi, os três são uma coisa só. O rap pelo choque, a honestidade brutal e a diversão cartunesca foram perfeitamente combinadas no tempo certo.

Foi o que o rapper precisava para se mostrar como uma realidade, que não era apenas um produto branco da MTV, conquistando o respeito de quem ele tanto ama: a comunidade hip-hop.

“Ah, mas por que esse não é o melhor álbum dele pra você?” Eu explico, mas em outra oportunidade…

Até!

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Leonardo Sá

Doente por F1, futebol, rap, jornalismo e café; não necessariamente nessa ordem.